Folha de S. Paulo


Livro revela que Pizzolato pensou em simular sua própria morte

Em 2007, tão logo o Supremo Tribunal Federal acolheu a denúncia contra 40 réus no processo do mensalão, o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato começou a urdir o plano de "ressuscitar" seu irmão morto para assumir seu lugar em caso de condenação.

Decidido a não passar um dia sequer na cadeia, o petista cogitou simular a própria morte, mas a ideia mirabolante não foi levada adiante, segundo o livro "Pizzolato – Não existe plano infalível", da jornalista Fernanda Odilla, que trabalhou na Folha até este ano.

Enquanto mandava confeccionar documentos legítimos em nome do morto, o ex-diretor do BB também começou a tramar um esquema para evitar confisco de bens.

A estratégia incluiu uma falsa separação para transferir seus bens para o nome da mulher, Andréa Eunice Haas –"um caô", nas palavras de Alexandre Teixeira, amigo de Pizzolato que o levou até a fronteira com a Argentina de carro, no dia da fuga.

A origem e o destino do patrimônio de Pizzolato ainda são uma grande zona de sombra. Em fevereiro, a Folha revelou que a Espanha já havia identificou três imóveis pertencentes ao petista no país que, em valores de mercado, ultrapassam 1,2 milhão de euros (R$ 3,96 milhões).

No Brasil, o único imóvel ainda em seu nome é uma cobertura a uma quadra da praia de Copacabana, avaliada em R$ 3 milhões.

O livro de Odilla refaz o caminho de uma parte do dinheiro. O imóvel do Rio foi comprado em fevereiro de 2004. Parte do pagamento foi em dinheiro vivo.

No janeiro daquele, Pizzolato havia recebido R$ 326.660,27 que foram sacados de uma das contas da DNA Propaganda, do publicitário Marcos Valério, e entregues por um office boy na sua casa. Este foi o fato que deu origem à sua condenação a 12 anos e 7 meses de prisão.

O livro relata que Pizzolato perdeu a confiança do PT quando implicou o ministro Luiz Gushiken (1950-2013) no mensalão na CPI dos Correios, em 2005. Além da traição a Gushiken, a relação de Pizzolato com os companheiros foi se esgarçando, e azedou à medida que novos detalhes vinham à tona: a fuga em vez de enfrentar a pena como os demais condenados e o patrimônio misterioso.

BATENDO CABEÇA

O livro também mostra como falhas na investigação da Polícia Federal e a ressaca política do caso Cesare Battisti retardaram em 50 dias a localização e a prisão do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato na Europa.

A caçada ao petista –condenado a 12 anos e 7 meses de prisão– começou em 16 de novembro de 2013, um dia depois do Supremo Tribunal Federal expedir a primeira leva de mandados de prisão.

Pizzolato já estava vivendo na Itália com os documentos em nome de Celso Pizzolato, seu irmão morto em 1978, quando passou a ser considerado foragido. O livro revela que as buscas começaram de maneira atabalhoada –checagens de informações simples foram deixadas de lado.

A única busca pedida pela PF aos adidos policiais na Argentina e Paraguai foi sobre Henrique Pizzolato. Não foi estendida a um levantamento genérico, apenas pelo sobrenome, a fim de detectar a movimentação de parentes.

A providência poderia ter resultado em uma informação crucial: um certo Celso Pizzolato, irmão do foragido, ingressou no território argentino na fronteira com Santa Catarina no dia 11 de setembro de 2013, e na noite do dia 12 embarcou em um voo de Buenos Aires para Barcelona. No aeroporto de Ezeiza, "Celso" foi fotografado e teve as impressões digitais colhidas.

RESSACA DO BATTISTI

Em dezembro de 2013, as autoridades italianas já sabiam que "Celso" estava vivendo em Portovenere, uma cidadezinha litorânea na Ligúria, e chegaram a monitorá-lo por três semanas, sem saber que se tratava do mesmo Henrique Pizzolato do alerta vermelho da Interpol.

O aparato foi desmontado porque não houve nenhum sinal de que o novo morador estivesse ajudando o fugitivo.

Os italianos sabiam que Pizzolato, usando o nome verdadeiro, havia registrado boletim de ocorrência em Treviso em novembro relatando perda de seus documentos. Isso não foi imediatamente compartilhado com o Brasil.

O caos na cooperação entre os dois países tinha origem política: a negativa de Lula de extraditar Cesare Battisti estava atravessada na garganta dos italianos. Os ponteiros só foram acertados em 4 de fevereiro deste ano numa reunião entre a PF e o adido da polícia italiana, Roberto Donati.

Para provar que não havia corpo mole, Donati abriu a história de Celso. Em Roma, a mesma informação chegara ao adido da PF alguns dias antes. A reunião em Brasília detonou uma correria que resultaria na prisão de Pizzolato menos de 24 horas depois.

Ficou preso até 28 de outubro, quando a Corte de Bolonha negou sua extradição. Não é o epílogo da história: em 2015 será julgado o recurso do governo brasileiro.


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