Folha de S. Paulo


PT precisa entender o recado das urnas, diz governador eleito do Ceará

O petista Camilo Santana, 46, eleito governador do Ceará, exaltou a vitória do partido em três Estados do Nordeste (Ceará, Bahia e Piauí) e a força da região para reeleger a presidente Dilma. Mas afirma: "O PT precisa voltar para suas bases, rever suas raízes."

Ele considera o governador Cid Gomes (Pros) "o maior governador da sua geração" e diz que pretende consultá-lo para tomar decisões no dia a dia do governo. "Mas será um governo com minha cara. Vou imprimir a minha marca", afirma.

Camilo minimiza os desgastes na relação PT-PMDB no cenário nacional e a derrota que sofreu na capital, Fortaleza. Diz que os maiores desafios da sua gestão serão nas áreas da saúde e segurança pública e que deve seguir o modelo de grandes obras do seu antecessor.

De sandália e camisa amarela, o novo governador do Ceará falou à Folha em seu apartamento nesta segunda-feira (27).

*

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Folha - A eleição no Ceará causou desgaste no Estado entre o PT e o PMDB, um dos principais aliados de Dilma no cenário nacional. Como o sr. pretende conduzir essa relação no Estado e como deve ser no plano nacional?
Camilo Santana - O desgaste que houve foi natural de uma eleição, e ela se encerra na própria urna. Apesar de ser um aliado nosso no plano nacional, o PMDB tem vários embates com o PT em várias regiões do país. Isso não se iniciou nesta eleição e não deve deixar sequela. Foi uma campanha acirrada e difícil, mas não tem trauma. Eu, como novo governador, vou trabalhar agora para unir o Ceará e ser um governador de todos. E não somente daqueles 2,4 milhões que me elegeram.
Eu conversei hoje [segunda-feira] com a presidente Dilma por telefone e ela está tranquila que os partidos da base entendem que o período da campanha passou e que agora é o momento do governo. Da nossa parte nós vamos buscar apoio do governo federal para tocar obras importantes para o Estado. O PT saiu fortalecido no Nordeste e nós temos força para buscar parceria no governo federal para tocar nossos projetos.

A presidente Dilma venceu com a menor margem desde a redemocratização, e a oposição obteve seu melhor desempenho desde 2002. Numa eleição marcada pelo desejo de mudança, quais são as lições que o PT deve levar do pleito?
O PT precisa voltar para suas bases, rever suas raízes. Eu defendo que o partido passe a ser mais orgânico, no sentido de recuperar antigas posições. O partido cresceu nos últimos anos depois da eleição do presidente Lula e precisa agora de um movimento de reformulação interna, aliás como o próprio Lula tem defendido já há algum tempo.
O acirramento da eleição da Dilma foram dois recados. Primeiro as manifestações de junho de 2013 mostraram um grau de insatisfação muito grande da população com o transporte público, a saúde. Agora veio o recado das urnas. O PT precisa entender isso e recuperar este posicionamento orgânico. Uma das medidas fundamentais do novo governo Dilma é a reforma política, que passa por recuperar a identidade dos partidos.

Mas a própria eleição do senhor foi com um PT mais ligado ao Pros, adotando a cor amarela do sigla dos irmãos Gomes
Alianças fazem parte da conjuntura política e são benéficas para a democracia. Tive apoio da militância do PT e conquistamos o governo com muito trabalho e dedicação. O que não se pode é ficar criando partidos novos o tempo todo para barganhar espaços no governo. Isso prejudica as administrações. Reforma política é fundamental, a começar pelo financiamento público de campanha, que eu defendo.
No que depender de mim a presidente Dilma terá todo apoio para tocar suas reformas.

O senhor defende financiamento público de campanha, mas a que o levou à vitória no governo foi a que mais gastou no Estado [R$ 11,3 milhões, segundo parcial declarada à Justiça Eleitoral].
Gastamos dentro da legalidade. Não havia nada que impedisse isso. Mas como proposta ideológica defendo que os partidos tenham acesso ao financiamento público. É uma forma de acabar com uma série de distorções da política.

Qual será o papel do atual governador Cid Gomes, que foi o fiador da sua campanha, em seu governo? E como o sr. pretende imprimir uma característica própria à gestão?
Primeiro eu preciso dizer que o Cid foi o grande governador da minha geração. Desde que nasci até aqui foi o governador que mais avançou em diversas áreas do Estado, até mesmo na segurança pública que é tão questionada. Ninguém entregou o governo sem que tivesse piorado os índices da segurança pública. Mas também ninguém aparelhou melhor a polícia quanto ele. Eu vim do interior e sei a dificuldade que era uma viatura de polícia chegar até o local do crime. O Cid quer morar no exterior e vai tocar sua vida, mas claro que sempre vou ouvi-lo pela experiência que ele tem.
Mas o meu governo será com a minha cara e da minha vice, Izolda [Cela, Pros]. A nova cara da política no Ceará. Vamos mudar o que precisa ser mudado, como nas áreas de segurança e saúde, e seguir naquilo que está bom, como em obras hídricas e de infraestrutura.

O sr. fala em preencher cargos por competência, mas como fará isso na prática? O sr. se opõe às indicações políticas?
Os cargos de competência não podem ser políticos? Claro que podem. O que vou priorizar é gente no lugar certo, no local certo para cumprir a missão de forma correta. Pois vou cobrar resultados. E quatro anos passam voando.

A coligação do sr. teve 18 partidos. Muitos deles já se movimentam para conquistar espaços no governo...
Vamos privilegiar o que cada um pode fazer para melhorar a vida do cearense. Claro que somos gratos à ajuda de todos os partidos na nossa vitória, mas nosso compromisso é com a melhoria da vida do povo cearense.

Apesar da vitória no Estado, o senhor foi derrotado em Fortaleza. Como avalia o resultado?
Vencemos em 149 municípios de 184 do Ceará. Perdemos apenas em 35. Ainda estamos buscando entender o contexto do que se passou em Fortaleza, mas a questão da segurança pública pode ter pesado de alguma forma. Existe aqui na capital a preocupação com a alta da criminalidade e é um desafio que nós temos que pesar.

Falando em segurança pública, a campanha foi marcada pela tensionamento entre seu grupo político e setores da Polícia Militar. Como pretende conduzir essa relação? Os 18 processados por apoio a opositores continuarão respondendo aos processos?
A Polícia Militar deve trabalhar para proteger a população. Isso é o que eu entendo como segurança pública. Vamos dialogar com a polícia e entender seus anseios, mas da função que eles devem exercer nós não abrimos mão. Quanto a estes processos, vamos avaliar. Eu só assumo o governo em janeiro, mas digo que, se existe um regulamento interno da polícia que proíbe tal medida e ele é descumprido, as pessoas devem responder por isso.

Os policiais acusam o governo de só punir os oficiais que fizeram campanha para os oposicionistas. E aqueles que apoiaram sua campanha não sofreram sanções.
Então eles tem que dizer quais foram os policiais que me apoiaram. Porque eu mesmo não sei. Do outro lado, não. Gravaram vídeo, apareceram pedindo voto. E, se o regulamento interno proíbe isso, então tem que se fazer além de cumpri-lo. E isso em todas as áreas, não apenas na segurança.

O governo Cid foi marcado pelo questionamento a obras de grande porte, como o centro de eventos e o aquário. O sr. irá apostar em empreendimentos semelhantes?
Precisamos primeiro dizer que estas obras não foram à toa e tem um caráter fundamental de mudança na vida das pessoas. O centro de eventos transformou o Estado em um ponto de turismo de negócios, com agenda até 2018. Talvez perca apenas para São Paulo nessa modalidade. Já o aquário vai mudar o perfil de turismo sexual no Ceará para um turismo de família. É uma forma de combate eficiente.
Meu governo vai ser de grandes obras e obras importantes. Desde uma cisterna no quintal no sertão até a construção de hospitais, que eu prometi dois. Minhas principais obras serão duas. Ampliar o programa de educação no Estado e desenvolver as obras hídricas para levar água para os locais mais afligidos pela seca. No meu primeiro dia de governo vou colocar todas minhas propostas no site do governo para a população acompanhar o que for sendo feito e o que ainda falta.


Endereço da página:

Links no texto: