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Perfil: O fantasma de Aécio e as reviravoltas eleitorais

A conversa já havia terminado. Após se despedir do interlocutor, Aécio Neves se dirigia ao elevador de um hotel em São Paulo para um evento de campanha. Parou, voltou e fez um último desabafo.

"Tiraram todos os meus esqueletos do armário. Vamos ver o que vai acontecer. Foi uma campanha suja contra mim. Se eu ganhar, será contra uma baixaria. Ressurgi uma vez e, se precisar, posso ressurgir de novo."

Acostumado a enfrentar eleições tranquilas, eleito e reeleito governador de Minas em 2002 e 2006, depois senador em 2010, Aécio, 54, convivia com o fantasma de ataques pessoais havia muito tempo.

Em 2010, após desistir de disputa interna do PSDB para ser candidato do partido a presidente, um amigo comentou: "Aécio precisa exorcizar seus fantasmas. Nem saiu candidato e já foi alvo de toda ordem de baixaria".

Em 2014, o desabafo do presidenciável tucano foi feito um dia depois do debate do SBT, realizado em 16 de outubro, quando Dilma Rousseff fez uma pergunta sobre o episódio em que Aécio foi parado em blitz e não quis se submeter ao teste do bafômetro.

Editoria de Arte/Folhapress
Confira a linha do tempo da vida do candidato Aécio Neves (PSDB)
Confira a linha do tempo da vida e a biografia do candidato Aécio Neves (PSDB)

Ao fazer o questionamento, a petista sugeriu que ele estava alcoolizado e drogado.

No debate anterior, na Band, a candidata do PT já havia feito insinuações de que Aécio teria um comportamento agressivo com mulheres. Elas depois ganhariam as redes sociais, o programa de televisão de Dilma e os discursos do ex-presidente Lula.

Até ali, o tucano ainda aparecia na frente da petista nas pesquisas do Datafolha (51% a 49%) e do Ibope.

O sinal amarelo, porém, começou a acender. Sua irmã, Andrea, estava alarmada com o tom dos ataques, o que levou Aécio a assistir a um dos vídeos produzidos contra ele no sábado (18), um dia depois de desabafar que o PT havia retirado seus esqueletos do armário.

Numa paródia musical, o presidenciável do PSDB era chamado de playboy, retratado como um inconsequente tutelado pela família e associado a condutas ilegais.

No mesmo dia, em Belo Horizonte, onde nasceu em 10 de março de 1960, foi alvo de um duro ataque de Lula. Na mesma linha do vídeo, o petista disse que Aécio era "filhinho de papai" e "agressivo" com as mulheres.

Ali, o tucano percebeu que a "lua de mel" que vivia com o eleitorado desde o início do segundo turno chegava ao fim, o que se materializou nas pesquisas. Na segunda (20), o Datafolha trazia Dilma numericamente à frente, 52% a 48% dos votos válidos.

Adepto de estilo de vida boêmio, Aécio sempre foi acusado de não sacrificar sua vida pessoal pela política. Seus críticos costumam dizer que, quando governador de Minas, passava mais tempo no Rio, para onde mudou aos dez anos com a família depois que seu pai, Aécio Cunha, foi eleito deputado federal.

Aos 21 anos, voltou a Belo Horizonte, convocado pelo avô Tancredo Neves a integrar sua campanha ao governo estadual. Virou seu secretário particular, participou da campanha das Diretas-Já e o acompanhou na disputa que elegeu o avô presidente em 1985 no Colégio Eleitoral.

Tancredo morreu antes de assumir, Aécio virou diretor de Loterias da Caixa, pavimentando sua eleição para deputado federal. Foi eleito por quatro mandatos consecutivos (1987-2002).

CASAMENTO

Foi no Rio, no final de 2013, que Aécio decidiu largar a vida de solteiro, que mantinha desde que se separou da mãe de sua primeira filha, Gabriela, hoje com 23 anos. Casou-se com Letícia Weber, com quem teve, durante a campanha, os gêmeos Julia e Bernardo, nascidos prematuros.

Para quem era tachado de adepto de baladas, o casamento vinha em momento certo. Mas não evitou ataques pessoais na campanha, com insinuações de que era agressivo com mulheres.

Protagonista de uma reação histórica ao ultrapassar Marina Silva (PSB) e chegar à reta final da eleição, Aécio havia sido poupado da artilharia petista, que mirou suas baterias na ambientalista.

Começou a primeira semana do segundo turno embalado. À frente nas pesquisas e conquistando apoios vitais, como do PSB, de Marina e da família de Eduardo Campos, o tucano ainda tinha o vento a favor na segunda semana.

Depois daquele sábado em que assistiu com a irmã o vídeo que virou um viral na internet, o tucano decidiu reagir. Sua mulher e sua filha Gabriela gravaram depoimentos para o horário eleitoral.

Aécio subiu o tom. Abandonou as críticas veladas e condenou, em suas palavras, "boatos e calúnias" que lhe atribuem atitudes ilícitas.

O tucano tem dito que a "verdade vai vencer a mentira e o medo", mas uma eventual vitória vai se configurar numa nova virada na eleição.

Seja qual for o resultado, os aliados são unânimes em um ponto: ele termina a corrida presidencial mais firme e obstinado e fará o possível para comandar pelos próximos anos o grupo político que hoje se levantou contra o PT.

"Não esperem um Aécio tão mineiro. Seja como for, ele sai forte e vai querer terminar o que começou", resume um aliado.

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