Folha de S. Paulo


Opinião: Conservadorismos desta eleição

Em "A Retórica da Intransigência", Albert Hirschman mapeia argumentos que comparecem ante tentativas de reformas. Um é o efeito perverso –por mais bem-intencionada que seja uma medida, pode gerar o diverso do visado. Outro é o da futilidade das mudanças, pois todas tropeçariam em algum ponto. O terceiro é o da ameaça –qualquer transformação poria abaixo um modo de vida assentado e seguro. O tripé de Hirschman ronda esta eleição.

Colhem-se com fartura no debate eleitoral menções ao "efeito perverso" que mudanças na sociedade brasileira teriam operado. A ampliação da cidadania teria enfraquecido a autoridade do Estado, prenúncio de anarquia. Daí o clamor por maioridade penal precoce e recrudescimento da repressão policial, em reedição do bordão malufista da "Rota na rua". No campo dos costumes, direitos de LGBTs, equidade de gênero e aborto abalariam hierarquias tradicionais. Em vez de avanço, trariam dano visceral às ordens social e moral. Isto disse Levy Fidelix em insurgência contra casamento gay, leu-se na pândega de Silas Malafaia sobre homem bater em mulher e ouviremos no alto-falante parlamentar de Jair Bolsonaro.

O "efeito perverso" transpira, de outra parte, em suspiros dos estratos altos contra resultados da distribuição de renda: o "era melhor no meu tempo", quando aeroportos e shopping centers eram exclusivos de uma única classe social.

Outro argumento conservador, conforme Hirschman, assoma nesta eleição, o do inócuo da mudança. Se mudar, ao fim dará no mesmo, melhor ficar imóvel. Esta paralisia assola no segundo turno muitos marineiros do primeiro. Ao julgar petistas e peessedebistas farinha do mesmo saco da "velha política", eximem-se de escolher um lado. Ante alternativas imperfeitas –como sempre são todas as alternativas–, desobrigam-se de endossar uma delas, deixando aos demais eleitores a responsabilidade de reproduzir "tudo o que está aí".

O terceiro argumento identificado por Hirschman é o mais eficaz porque joga com a segurança. A mudança embutiria perda. Benefícios arruinados, sucesso convertido em fracasso. Esta retórica deu o tom no início da propaganda eleitoral e retornou agora. Se o PT perder, seus programas –porque o PSDB malogra no teste de DNA do Bolsa Família– serão descontinuados. Já o PSDB brande o medo da desorganização econômica. Em mãos petistas, a economia descarrilaria do bom trilho de Arminio Fraga. De um lado, a ameaça aos programas sociais, os milhões de pessoas resgatadas da miséria; de outro, a ameaça à estabilidade da moeda, a cotação do real na Bolsa de Valores.

Argumentos conservadores de todos os lados. Em vez de discutir aprofundamentos da política redistributiva, a agenda social-democrata, da qual se dizem herdeiros, PT e PSDB gastam-se na luta por definições do que já foi. Pouco falam da construção de portas de saída para os beneficiários das políticas sociais ou do que fazer com a economia para além da preservação da taxa de câmbio. Disputam o passado, quando deveriam disputar o futuro.

ANGELA ALONSO, professora da USP e diretora científica do Cebrap; escreve às quintas neste espaço


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