Folha de S. Paulo


Economistas veem desconexão entre otimismo da população e fatos

Economistas, marqueteiros e acadêmicos têm hipóteses diversas para o descompasso entre o pessimismo do mercado com a economia e o otimismo da população com emprego, salário e inflação.

Conforme a pesquisa Datafolha de terça (21), a expectativa de aumento dos preços recuou para o patamar mais baixo da série do instituto desde 2007: só 31% acham que o custo de vida irá aumentar ante 50% em setembro e 64% em abril.

Depois de perder um pouco de fôlego entre junho e agosto, porém, a inflação voltou a acelerar em setembro, puxada pelos alimentos. Em 6,75% no cálculo dos últimos 12 meses, é o patamar mais alto em quase três anos.

Esse tipo de desconexão repete-se em outros temas apurados. Para 44%, a situação econômica do país vai melhorar, a melhor taxa desde abril de 2013. Mas as precisões técnicas para o PIB (Produto Interno Bruto) variam em torno de um fraco 0,3%.

Com o emprego, embora em menor grau, o fenômeno é parecido. Apesar de o desemprego continuar baixo, a geração de novas vagas caiu. Em setembro, foram criados 123.785 postos formais de trabalho, menor resultado para o mês desde 2001.

Economistas ouvidos pela reportagem são os que parecem mais perplexos com a dissonância.

Renda, emprego e inflação são fatores que pesam no otimismo do consumidor, dizem. "Mas isso não quer dizer que basta estar empregado. Se sua renda está sendo corroída pela inflação, diminui seu poder de compra e a tendência é de maior mau humor", afirma Fábio Pina, economista da Fecomércio-SP.

A instituição mede a confiança do consumidor na região metropolitana de São Paulo. O indicador de outubro mostrará queda de 2,6% da confiança em relação a setembro e 16,8% em comparação ao mesmo mês de 2013.

O recuo sucedeu uma ligeira melhora registrada em setembro e também captada por outros indicadores, como a Sondagem de Expectativas do Consumidor, da FGV, que cobre sete capitais do país.

Editoria de arte/Folhapress

Mesmo com a pequena recuperação vista no mês passado, os índices de confiança permaneciam em patamares históricos muito baixos.

"Concretamente, não vejo nenhum sinal de melhora na economia", diz o economista Alexandre Schwartsman, colunista da Folha.

Para Schwartsman, mesmo com o desemprego em nível ainda baixo, os profissionais percebem que a chance de se recolocar em caso de demissão é menor hoje do que nos últimos anos.

A desaceleração do mercado de trabalho é consequência do ritmo lento de expansão da economia.

CAMPANHA

Para o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, o que melhor explica o otimismo da população é efeito do marketing eleitoral: "Candidatos de todos os partidos, da situação e da oposição, estão há três meses dizendo que irão melhorar o Brasil. Quando não estão se atacando, estão vendendo otimismo", diz. "Então por que as pessoas irão duvidar?"

Paulino lembra que é preciso considerar também que nem sempre os economistas conseguem captar os sentimentos da população. "Uma coisa é o que o analista econômico enxerga, outra é o que a população sente", diz.

Sobre o momento pós-eleitoral, Paulino acredita que poderá haver um ajuste de expectativas. "Imagino que poderá acontecer com a economia um efeito parecido com o da água em São Paulo: sem a propaganda eleitoral do governador, a ficha começa a cair, as pessoas começam a ver melhor que há problema."

O cientista político Fernando Abrucio, pesquisador da FGV (Fundação Getúlio Vargas de São Paulo) entende que a propaganda eleitoral ajuda a explicar o aumento do otimismo, mas afirma que outros fatores também precisam ser considerados.

"Diziam no começo do ano que pessoas iriam perder o emprego e que a inflação iria explodir. A mensagem era que tudo iria piorar muito. Só que não piorou assim. O sujeito continua com seu emprego e viu que a inflação não explodiu", afirma.

Para ele, outro elemento importante a ser considerado na análise é a redução do endividamento das pessoas.

"Depois dos excessos de consumo, 2013 e 2014 foram anos de pagamento de dívida. O que temos agora é muita gente chegando ao final das prestações. Então o sujeito que pode ter imaginado que iria se afogar não só manteve o emprego como está vendo que conseguirá até quitar a dívida. E vem aí o 13º, o fim de ano. Claro que ele fica mais otimista", explica.

Entre os especialistas em propaganda eleitoral, o que mais conta é a eficiência da campanha da presidente Dilma Rousseff (PT). Para Chico Santa Rita, a defesa de continuidade, com mudanças, é apresentada na propaganda de maneira mais "clara" e "palpável" que o discurso da necessidade de mudanças.

A avaliação é parecida com a do publicitário Chico Malfitani: "Antes, falava-se muito da inflação. Ultimamente, saiu do foco e entrou a corrupção. Com a volta do tema da corrupção, a inflação ficou um pouco em segundo plano", disse. "O que está na comunicação acaba sendo assimilado pelas pessoas".


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