Folha de S. Paulo


Opinião: A arte zen de ver o copo meio cheio

Você sobreviveu ao desastre ambiental –o incontrolável vazamento de chorume– das últimas semanas nas redes sociais? Perdeu sua mulher, sua mãe e até o rock and roll por causa de desavenças ideológicas? Não perdeu, mas se sente representado por aquele Jesus do poema do Drummond, que "dorme sonhando com outra humanidade"?

Não vou dizer "seus problemas acabaram!" porque, independentemente do resultado da eleição, o mais provável é que estejam só começando. Mas sempre se pode fazer o exercício zen de enxergar o copo meio cheio. "Always look on the bright side of life", como cantavam os crucificados do Monty Python em "A Vida de Brian" –e garanto que, por mais cansado que você esteja de manifestações de ódio, dificilmente estará tão pregado quanto eles.

Embora o Congresso eleito depois das manifestações de junho/2013 seja mais conservador –assunto já tratado aqui por Mauricio Puls, com o brilho habitual–, ele não é todo assim, e numa disputa presidencial os nomes viáveis tendem a convergir para o centro. Vale para os EUA (em 2012, Romney não era o republicano mais à direita nem Obama o democrata mais à esquerda) e vale para cá, apesar da retórica inflamada e empenhada em obscurecer semelhanças entre os candidatos.

De um lado, a disputa pelo eleitor de centro pode resultar em coisas como mediocridade, resistência a mudanças, a gelatina gigante do PMDB. De outro, porém, evita que idiotas à esquerda e à direita, que deveriam desfilar solidamente montados no Sete de Setembro, mandem na sua vida. Em vez de ditadura, são obrigados a se conformar com o "é o que tem pra hoje" da democracia.

E, de algum modo, a sociedade se move. Pra ficar num exemplo só: terrível como é, a homofobia é reação, não raro violenta, a uma situação que muda para melhor (ou seja, "reacionária" no exato sentido etimológico do termo). Convém lembrar que, décadas atrás, essa intolerância passava por ordem natural das coisas. Não passa mais; não passará.

(Pronto, chega de copo meio cheio. "Pessoas em lugares altos" que curtem jogar gasolina na fogueira do ódio: quem ganhar o pleito terá de governar pro país todo, e não só pra respectiva claque. Acho que isso vai ficar mais difícil se vocês continuarem tratando críticos e eleitores adversários como não-pessoas.)

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Dilma e Aécio puxaram o freio de mão no penúltimo debate. Não sei como será o da Globo amanhã, mas cheguei a achar que a carnificina estava a um passo de Nelson Rodrigues: "Contínuo! Você é um ex-contínuo!" "Sou um ex-contínuo. E você é um filho da puta!". Pelo menos ficaria bem claro que o mineiro só é solidário no câncer. Ou que o brasileiro é cínico pra burro. Ou, ainda, que no Brasil todo mundo é Peixoto.

(Que Clóvis Rossi e outros colegas de ofício me perdoem, mas o doutor Werneck de "Bonitinha, mas Ordinária" continua sendo o melhor comentarista político do país.)

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Esta é minha última coluna neste espaço, já que o caderno "Eleições" finda na semana que vem. Bom estar com vocês, brincar com vocês: a gente se vê por aí. Votem com camisinha e façam sexo conscientes.

RUY GOIABA, pseudônimo de um jornalista da Folha, é colunista do "F5", escreve às quintas neste espaço.


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