Folha de S. Paulo


Opinião: O poder dos melhores

Os dicionários informam que a aristocracia, em sentido amplo, pode ser compreendida como o governo dos melhores. Monopolizado por um número reduzido de pessoas privilegiadas, não raro por herança.

O termo tem sido aplicado às elites financeiras mundiais, distanciadas dos padrões dos cidadãos comuns. Vivem em um mundo distinto, com meios próprios de socialização, de transporte, de trabalho e de vida, transmitidos aos herdeiros. Beneficiários de um processo demencial de concentração de riqueza, evidenciado pelos estudos de Thomas Piketty, não há crise que as abale, e da qual não extraiam proveitos suplementares, como observado na que se iniciou em 2008, cujos efeitos se estendem até hoje, mas sem alcançar seus altos poderes. Uma característica suplementar é a absoluta falta de controle social sobre essas gentes. Parecem não depender de ninguém, salvo dos que produzem as riquezas que acumulam e concentram em suas mãos.

As recentes eleições têm feito pensar em que medida as elites políticas e econômicas deste país não mereceriam o título de "aristocráticas".

Das econômicas algo se pode dizer, apesar de cobertas pelo manto da discrição e do segredo. Voam em outras altitudes, de preferência, de helicópteros. Altitudes maiores ainda, estratosféricas, alcançam suas margens de lucro, mesmo descontadas as comissões pagas aos partidos e governos. Já as elites políticas, coitadas, pela própria natureza de suas atividades, são obrigadas a se descobrir e, mesmo quando se escondem, tendem a ser descobertas, "malgré elles-mêmes" e seus excelentes advogados.

O que impressiona nas elites políticas são seus privilégios e a ausência de mecanismos de controle sobre o que fazem ou deixam de fazer. Uma coisa está evidentemente ligada à outra.

Os privilégios vieram num crescendo. Tradicionais, foram potencializados no tempo da ditadura e permaneceram como herança, intocada e aperfeiçoada. Assim, os representantes têm muito mais chances de permanecer como tais do que qualquer outro cidadão. Ou de se substituírem por filhos, parentes ou amigos, limitando drasticamente as margens de uma efetiva renovação.

O único mecanismo de controle disponível é o voto. Mas ele é raramente possível, eis que os mandatos são longos em demasia, sem contar o direito à reeleição, em que o uso e o abuso da "máquina pública" acrescem as desigualdades já referidas. Condicionados por campanhas milionárias, em que se aliam –e se entrelaçam– as elites econômicas e políticas, os cidadãos fazem o possível para escolher os seus candidatos. Quase sempre em vão. O resultado é o alarmante crescimento das abstenções e dos votos brancos e nulos, com a perigosa deslegitimação dos representantes eleitos.

Para substituir o poder dos melhores pelo poder das maiorias, será necessário democratizar a democracia. Um desafio para a voz rouca das ruas. Se ela não se manifestar e não se organizar, o poder aristocrático ficará aí, expondo suas vísceras, como uma carniça a céu aberto.


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