Folha de S. Paulo


Debate político nas redes sociais é marcado por tom emocional, avaliam especialistas

Um clima similar ao de torcidas rivais em um clássico futebolístico. É este o ambiente verificado hoje nas redes sociais quando o assunto é política, na avaliação dos especialistas presentes no debate "Mídias Digitais e Eleições", promovido pela Folha em parceria com o Diversitas (Núcleo de Estudos das Diversidades da USP) nesta sexta (17).

Algo nada parecido com a esfera pública a aura refinada e argumentativa dos cafés burgueses do século 18, como idealizavam alguns teóricos liberais sobre os ambientes digitais.

Para Paolo Gerbaudo, doutor em mídia pelo Goldsmith College (Inglaterra) e pesquisador visitante na USP, o clima de "Fla-Flu" não é necessariamente negativo.

Ele avalia que não existem campanhas eleitorais sem um componente negativo. "Conflitos têm os seus riscos. Ao mesmo tempo, podem ser uma parte interessante e positiva na discussão eleitoral", diz o pesquisador.

Na avaliação de Gerbaudo, os debates no Brasil têm um componente passional mais acentuado e menos argumentativo –o que explica comentários de Facebook como "Brasil todo é Dilma" e "Aécio já ganhou" ou, nas suas versões negativas, "Aécio never" e "Juntos somos mais fortes contra essa máfia comunista".

Ainda assim, o pesquisador do Goldsmith College afirma que "é melhor ter esses conflitos que uma sociedade apática, apolítica".

"Mídias sociais permitem uma nova cultura de participação e uma repolitização da sociedade brasileira", afirma.

Para os professores da USP Gilson Schwartz e Luli Radfahrer, que também é colunista da Folha, a visão de Gerbaudo é "muito otimista".

Scwhartz tratou especificamente do debate econômico durante as eleições e diz acreditar que este seja ainda mais violento e superficial nas redes sociais.

"Ninguém discute a questão cambial, por exemplo. Ou a chamada 'doença holandesa', que foi surfar em uma onda de venda de commodities que tornou a indústria brasileira menos competitiva e gerou um movimento de desindustrialização", diz.

Para ele, esse tipo de debate favorece os dois lados, Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB), já que, na sua visão, os modelos econômicos adotados nos governos tucanos e petistas foram essencialmente os mesmos.

"Falta uma discussão sobre o modelo de desenvolvimento econômico do Brasil, e a internet, que poderia auxiliar, tem muito mais esse clima de televisão", critica.

Luli Radfharer é ainda mais radical. "Internet é muito pior que uma extensão da TV ou que uma torcida. Nesses lugares, há um mínimo de informação, que a internet não tem", afirma.

O professor defende a criação de instituições eletrônicas sólidas para dar mais transparência às atividades políticas e, dessa forma, fomentar um ambiente digital mais informado ou "uma rede mais adulta".

"Existe o desejo por uma cultura de participação, mas não existe desejo por uma educação política", critica.

O debate ocorreu na sede da Folha, em São Paulo, e foi mediado pelo repórter de "Poder" Alexandre Aragão.


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