Folha de S. Paulo


Opinião: O voto da Geni

Marina apareceu nestas eleições de surpresa em surpresa.

Numa primeira etapa, três surpresas. A primeira, a imprevista impugnação de seu partido, a Rede. Destinada à marginalidade, ressurgiu, porém, das cinzas, como vice de Eduardo Campos, para desempenhar um papel secundário, embora importante, pois nela esperavam os socialistas encontrar uma alavanca que melhorasse a votação do seu candidato.

Aí veio a segunda surpresa: a tragédia que tirou a vida do parceiro de chapa e a propulsou para o centro dos acontecimentos, sem que ela fizesse o menor esforço. Em seguida, outra surpresa: desbancou o candidato tucano do segundo lugar, continuou subindo, como um foguete, encostou em Dilma, empatou com a presidenta e, num momento seguinte, já batia a candidata do PT por quase dez pontos num eventual segundo turno.

Aquela candidata magrinha, sertaneja, bebendo água morna com um olhar melancólico, não cabia nos padrões tradicionais dos candidatos que esbanjam saúde, alegria, largos sorrisos e grandes dentes. Do fundo da Amazônia vinha ela, das lutas dos seringueiros para defender a floresta. Alfabetizou-se jovem, venceu doenças, galgou postos no voto, fez-se senadora e ministra da República, protagonizando então algo raro na política brasileira: renunciou ao alto cargo por fidelidade a suas convicções.

Sua imagem e trajetória pareciam ajustadas a um papel almejado: o de uma alternativa real a uma certa maneira de conceber e fazer política. Por isso mesmo, das direitas e das esquerdas, desencantadas, numa velocidade impressionante, "marinavam" as gentes, e já alguns a consideravam invencível.

Era não contar com dois poderosos zepelins. Apareceu um pela direita, com um grande tucano de bico amarelo. Outro, pela esquerda, ostentava vistosa estrela vermelha de cinco pontas. Armados com poderosos canhões, despejaram pesada metralha e fizeram da Marina uma Geni. Sua vida coerente não tinha coerência alguma. Seu programa –fora a única a apresentá-lo– tinha como objetivo disseminar a insegurança e a fome. Seus propósitos –entregar o país aos banqueiros. Sua honestidade, posta em dúvida, pois conciliara também com tenebrosas transações. Virtudes? Não as tinha, só vícios e preconceitos, disfarçados. Não sobrou pedra sobre pedra. E ainda foi chamada de fraca, fingindo-se de vítima, pois ousara chorar, de raiva e impotência, diante de tamanhos desvarios.

"Delenda est Carthago", disseram os romanos. Marina deve ser destruída, disseram tucanos e petistas. Assustadas e duvidosas, afastaram-se as gentes. Demolida, Marina murchou. Desconstruída, caiu para um modesto terceiro lugar.

Agora, batem à sua porta, e a cortejam novamente os grandes do país. Precisamos de você, Geni, para derrotar a maldição petista. Carecemos de você, Marina, para salvar o povo dos tucanos. E a Geni, boa de cuspir e de jogar bosta, voltará, surpresa final, a ser mulher impoluta, de altas virtudes e grande lucidez. Restará, talvez, olhar com ironia e piedade os homens dos zepelins.


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