Folha de S. Paulo


Opinião: Os proprietários do poder

De uns tempos para cá o PMDB se tornou o grande vilão da política brasileira. É acusado de se oferecer a qualquer governo, trocando votos no Legislativo por um punhado de cargos no Executivo. Além de corromper a administração pública, seu fisiologismo atrelaria o país a uma agenda mesquinha, impedindo transformações estruturais.

De onde vem esse poder maligno? Das urnas. É o partido que mais elegeu governadores, prefeitos e parlamentares desde a redemocratização do país. Ele espelha a vontade do eleitorado nacional –mas mostra o que esse eleitorado realmente é, não o que ele gostaria de ser.

Talvez por isso o PMDB tenha sido tão amaldiçoado nas manifestações de junho: a mão que vota é a mesma que apedreja. Tanto é assim que hoje a legenda lidera as eleições para governador em oito Estados, inclusive no Rio de Janeiro. O que explica esse ressentimento?

Bem ou mal, o PMDB entrega ao eleitor o prato de lentilhas que promete: leva prefeitos aos ministérios, propõe emendas destinando verbas aos municípios, inaugura escolas, postos de saúde, quadras esportivas.

Para entregar as lentilhas, precisa ter acesso ao Executivo –tanto para dirigir as ações governamentais como para liberar recursos para seus redutos. E tem acesso fácil ao Executivo porque está no centro do espectro político, o que lhe dá flexibilidade suficiente para fechar alianças à direita e à esquerda.

A esquerda quer promover a igualdade, e por isso aprova leis em defesa dos trabalhadores. A direita quer preservar as diferenças, logo adota medidas para beneficiar os empresários. Um partido de centro aceita conceder benefícios aos trabalhadores e incentivos aos empresários, desde que tudo fique como está.

No Brasil, o primeiro grande partido de centro foi o antigo PSD (1945-1965), "a voz do Brasil unido". E do PSD saíram os principais dirigentes do moderno PMDB, Ulysses Guimarães (SP) e Tancredo Neves (MG).

Qual é o substrato social de um partido de centro? A propriedade fundiária. Os proprietários fundiários não se identificam nem com os empregadores nem com os empregados, mas formam uma classe à parte. Suas fontes de renda não são impactadas diretamente por variações nos lucros e nos salários, daí sua plasticidade política.

Desalojados da Presidência pela Revolução de 1930, os proprietários fundiários se concentraram no Congresso –hoje os ruralistas representam mais da metade da bancada do PMDB. Como não têm mais força para comandar o país –há quanto tempo o partido não lança um candidato a presidente?–, eles procuram barrar, no Legislativo, todas as iniciativas que possam prejudicá-los.

Em geral conseguem. O PSD impediu a aprovação da reforma agrária no governo João Goulart, e o mesmo fez o PMDB na Assembleia Constituinte. Há dois anos, os ruralistas derrotaram o Planalto em todas as votações sobre o Código Florestal.

É difícil governar sem o centro: o PSD abandonou Getúlio em 1954, fez oposição a Jânio em 1961, rompeu com Jango em 1964. Sabotado pelo PMDB, Collor caiu em 1992.

Após a eleição, o presidente só tem duas opções: ter ou não ter maioria. Quem decidiu a parada foi o eleitor. Este reclama a todo instante que deseja mudar. Mas, quando é chamado a agir, prefere pedir outro prato de lentilhas ao fazendeiro.


Endereço da página: