Folha de S. Paulo


Na ONU, Dilma destaca avanços sociais e combate à corrupção no país

A pouco mais de uma semana do primeiro turno das eleições no Brasil, que ocorre no próximo dia 5, a presidente Dilma Rousseff usou cerca de metade de seu discurso de 24 minutos na abertura na Assembleia-Geral da ONU, em Nova York (EUA), para falar sobre temas internos, dizendo que seu governo "assumiu a responsabilidade" de combater a corrupção no país e destacando avanços sociais dos "últimos 12 anos", de governo do PT.

"A história mostra que só existe uma maneira correta e eficiente de combater a corrupção: o fim da impunidade com o fortalecimento das instituições que fiscalizam, investigam e punem atos de corrupção, lavagem de dinheiro e outros crimes financeiros", disse Dilma, em meio ao escândalo de corrupção na Petrobras.

"Essa é a responsabilidade de cada governo. Responsabilidade que nós assumimos, ao fortalecer nossas instituições", completou, em referência ao trabalho feito pela Polícia Federal nas investigações.

"Fortalecemos e demos autonomia aos órgãos que investigam e também ao que faz controle interno do governo. Criamos leis que punem tanto o corrupto quanto o corruptor."

A presidente aproveitou para dizer que seu governo manteve a solidez fiscal diante da crise e "continuou a distribuir renda, estimulando o crescimento e o emprego, mantendo investimentos em infraestrutura".

Andrew Burton/AFP
NEW YORK, NY - SEPTEMBER 24: President of Brazil Dilma Roussef speaks at the 69th United Nations General Assembly on September 24, 2014 in New York City. The annual event brings political leaders from around the globe together to report on issues meet and look for solutions. This year's General Assembly has highlighted the problem of global warming and how countries need to strive to reduce greenhouse gas emissions. Andrew Burton/Getty Images/AFP == FOR NEWSPAPERS, INTERNET, TELCOS & TELEVISION USE ONLY ==
A presidente e candidata à reeleição, Dilma Rousseff (PT), em discurso na ONU, em Nova York

"Não descuramos da solidez fiscal e da estabilidade monetária e protegemos o Brasil frente à volatilidade externa. Assim, soubemos dar respostas à grande crise econômica mundial, deflagrada em 2008", disse. "Resistimos às suas piores consequências: o desemprego, a redução de salários, a perda de direitos sociais e a paralisia do investimento."

Dilma ressaltou que o país saltou da 13ª para a 7ª maior economia do mundo. "A renda per capita mais que triplicou. A desigualdade caiu", disse.

A presidente destacou que o país reduziu a dívida líquida pública de aproximadamente 60% para 35% do PIB, e a dívida externa bruta em relação ao PIB, de 52% para 14%. "As reservas internacionais foram multiplicadas por dez, e, assim, nos tornamos credores internacionais", disse.

Dilma defendeu o controle da inflação no país, que está no teto de 6,5%, dizendo que a taxa "tem se situado nos limites da banda de variação mínima e máxima fixada pelo sistema de metas em vigor no país".

A presidente, contudo, admitiu que a crise global atingiu o Brasil, "de forma mais aguda, nos últimos anos". "Tal fato decorre da persistência, em todas as regiões do mundo, de consideráveis dificuldades econômicas, que impactam negativamente nosso crescimento", afirmou.

UNIÃO GAY

Tocando um tema sensível da campanha no Brasil, a presidente disse que os direitos dos homossexuais, de negros e mulheres "devem ser protegidos de toda seletividade e de toda politização, tanto no plano interno como internacional".

A candidata à reeleição destacou que a Suprema Corte "reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo, assegurando-lhes todos os direitos civis daí decorrentes".

Dilma abriu seu discurso destacando a construção, "nos últimos 12 anos" do governo PT, de uma "sociedade inclusiva baseada na igualdade de oportunidades".

"Há poucos dias, a FAO [órgão da ONU para a alimentação e a agricultura] informou que o Brasil saiu do mapa da fome. Essa mudança foi resultado de uma política econômica que criou 21 milhões de empregos, valorizou o salário básico, aumentando em 71% seu poder de compra", disse.

Primeira de mais de 120 chefes de Estado a discursar, a presidente disse que 22 milhões dos 36 milhões de brasileiros que deixaram a miséria desde 2003 o fizeram em seu governo.

Dilma destacou que, "por iniciativa presidencial", o Congresso Nacional aprovou a lei que destina 75% dos royalties e 50% do fundo de recursos do petróleo e do pré-sal para a educação. "Vamos transformar recursos finitos, não renováveis –como o petróleo e o gás– em algo perene: a educação, conhecimento científico , tecnológico e inovação", afirmou. "Esse será o nosso passaporte para o futuro", declarou.

Para a diplomata Sarah M'Bodji, que trabalha na ONU, Dilma soube aproveitar bem o espaço de seu discurso. "Ela fala em um momento privilegiado da Assembleia, em que todos estão olhando, porque ocorre entre os discursos do [secretário-geral da ONU] Ban ki-Moon e do [presidente dos EUA] Barack Obama", disse a diplomata.

SÍRIA

Apesar de não condenar diretamente os ataques dos EUA e seus aliados à milícia radical Estado Islâmico (EI) na Síria, iniciados há dois dias, a presidente disse que o "uso da força é incapaz de eliminar as causas profundas dos conflitos".

"A cada intervenção militar não caminhamos para a paz, mas, sim, assistimos ao acirramento desses conflitos", disse, citando a "persistência da questão palestina, o massacre sistemático do povo sírio, a trágica desestruturação nacional do Iraque, a grave insegurança na Líbia, os conflitos no Sahel e os embates na Ucrânia".

"Verifica-se uma trágica multiplicação do número de vítimas civis e de dramas humanitários", afirmou.

Sem especificar, Dilma disse não ser possível aceitar que "essas manifestações de barbárie recrudesçam, ferindo nossos valores éticos, morais e civilizatórios".

No dia anterior, a presidente disse "lamentar enormemente" os ataques dos EUA e "repudiar o morticínio e a agressão nos dois lados". A presidente reforçou a posição do Brasil de "condenar o uso desproporcional da força" de israelenses contra palestinos na faixa de Gaza e criticou a "administração precária" da crise na região.

"Esse conflito deve ser solucionado e não precariamente administrado, como vem sendo. Negociações efetivas entre as partes têm de conduzir à solução de dois Estados –Palestina e Israel– vivendo lado a lado e em segurança, dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas."

As crises internacionais foram usadas por Dilma para defender uma "verdadeira reforma do Conselho de Segurança", um "processo que se arrasta há muito tempo". "Estou certa de que todos entendemos os graves riscos de paralisia e da inação da ONU", disse.

Dilma insistiu também na reforma do FMI e disse ser "inaceitável" a demora na ampliação do poder do voto dos países em desenvolvimento na instituição e no Banco Mundial.

"O risco que essas instituições correm é perder a sua legitimidade e eficiência."


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