Folha de S. Paulo


'A gente notava que ela tinha algo mais diferente', diz a irmã de 'Marinô'

Foi em 1974, aos 16 anos, quando Marina Silva decidiu partir sozinha do seringal Bagaço rumo a Rio Branco, deixando para trás os seis irmãos e o pai viúvo. Quatro décadas mais tarde, sua irmã mais velha, Maria Deuzimar, 59, ainda se emociona ao se lembrar da despedida.

"Meu pai perguntou: 'É isso que você quer mesmo'? Ela disse: 'Sim, é isso que eu quero'. A gente se reunia, chorava junto pro meu pai não ver. Aí, nós combinamos que ela iria pra cidade e nós cuidaríamos dos nossos irmãos. E assim foi", relembra, com os olhos marejados, a irmã mais velha, que até hoje mora na região onde Marina nasceu e cresceu.

Apesar de assustadas com o assédio da imprensa desde que Marina despontou nas pesquisas de intenção de voto, Maria Deuzimar e a irmã Maria Lúcia aceitaram conversar nesta sexta-feira (12) com um grupo de cinco jornalistas.

O encontro, acompanhado por uma assessora da campanha presidencial, ocorreu em uma pequena sala de um hotel da cidade sob a condição de que não fossem abordados temas políticos.

Maria Deuzimar é uma das duas irmãs de "Marinô" –apelido de infância– que ainda moram na mesma região do seringal Bagaço, a 70 km de Rio Branco. A área, já quase toda desmatada, hoje tem fazendas e sítios como o da primogênita, onde ela hoje cultiva pimenta, banana e outros produtos. As outras quatro irmãs moram em Rio Branco, onde são donas de casa, e o único irmão é instrutor de uma autoescola.

A distância até a capital, hoje percorrida em cerca de uma hora de asfalto, inicialmente levava até três dias de viagem a pé, relembram as irmãs. Quando Marina se mudou, já havia uma estrada de barro –e o trajeto foi vencido pelo ônibus após cerca de seis horas.

Era uma vida isolada: as irmãs contam que os vizinhos mais próximos de sua colocação (nome dado a parcelas de seringueiros) estavam a 1h30 de distância a pé. Notícias, só pelo rádio. O pai ia uma vez ao ano a Rio Branco, sozinho, para trocar borracha por mercadorias carregadas em burros.

"Vida boa, simples. Não tinha como não achar a vida boa, a gente não conhecia o outro lado", conta Maria Lúcia, 55, que chama a atenção pela semelhança física com a irmã famosa e um ano mais velha.

Mas a rotina era dura. Antes de decidir ir para Rio Branco cuidar de uma hepatite que ameaçava matá-la e estudar (não havia escolas no seringal) Marina, desde os 11 anos, ajudava o pai a cortar seringa junto com as duas irmãs mais velhas.

"Ela levantava às 5h, andava até 10h30, 11h, aí chegava em casa, almoçava, parava meia hora e voltava a andar pelo mesmo caminho de novo, recolhendo lata", lembra Maria Lúcia.

Nos primeiros anos na cidade, enquanto a sua família ainda morava no seringal, Marina se alfabetizou, morou com parentes na periferia de Rio Branco, trabalhou de empregada doméstica e chegou a ser noviça.

O contato com a política ocorreu por meio das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), da Igreja Católica. Em 1984, já militante de esquerda, se tornou a primeira da família com curso superior, quando se formou em história pela Universidade Federal do Acre. No ano seguinte, entrou para o PT e, em 1988, ganhou sua primeira eleição, para vereadora de Rio Branco.

A carreira até hoje surpreende as irmãs. Mas elas contam que, na infância, Marina já chamava a atenção pela ideias. "A gente notava que ela tinha algo mais diferente", diz Maria Deuzimar:

"Um dia, ela convidou o pai e nós para uma conversa. Ela queria passar pra nós que fizéssemos um plantio de um seringalzinho ao redor de casa. Tínhamos de andar uns 15 km por dia na estrada de seringa. Ela queria que nós entendêssemos que, se plantássemos a seringa perto de casa, e elas crescessem, nós teríamos um seringalzinho pertinho de casa."

"A gente achou absurdo porque a gente perguntava pro meu pai quantos anos podia ter uma seringueira grossa. E era na base de cem anos. Nós pensávamos: totalmente absurdo plantar um pezinho desse tamanhinho. Ninguém queria participar da ideia dela. Mesmo assim, ela acreditou e ela, sozinha, partiu pra essa ideia. E quando a gente ia cortar seringa, ela vinha com as mãos cheias daqueles pezinhos. Algumas delas escaparam e estão na colônia que era do meu pai. E agora estão prontas para o corte como as que estão lá na mata."

CRÍTICAS

As irmãs dizem que ouvem muitas críticas no Acre contra Marina por ela não arrumado emprego a seus irmãos e sobrinhos ao longo de sua carreira política.

"Eles falam não é porque estão preocupados conosco. Nós até sentimos bem, temos o nosso localzinho e estamos bem", diz Maria Deuzimar.

"Teve umas críticas que doeram bastante. A nossa mãe morreu no dia 30 de maio de 1973. E até hoje, em toda época de eleições, sempre aparecem pessoas maldosas que saem em alguns cantos dizendo que viu a mãe da Marina abandonada numa rua, num banco. Aí eu fico pensando: isso é pura maldade", conta.

Apesar de envolvidas involuntariamente na carreira política da irmã, dizem que não conversam de política com Marina nas reuniões familiares. "A gente aproveita mais o tempo em nós mesmos", explica Maria Deuzimar, a mais falante das duas.

"A gente fica relembrando, fazendo uma coisa que a gente gosta. Ela gosta de ralar milho, de fazer canjica, de quebrar castanha. A gente sempre deixa essas coisas da política pra um ladinho", diz, rindo.

As duas dizem que ainda não pensaram sobre como será a vida da família caso Marina seja eleita. Mas Maria Deuzimar não quer se mudar do campo. "Eu não estou incluída neste século, moro lá, gosto de lá".


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