Folha de S. Paulo


Leia a transcrição da sabatina com Eduardo Campos

O candidato do PSB à Presidência da República, Eduardo Campos, afirmou nesta terça-feira (15) que a disputa pelo poder central, ao lado de Marina Silva, coloca-se acima das polêmicas alianças que fez nos Estados com partidos rivais, como PT, PSDB e PMDB. Em sabatina, realizada pela Folha, pelo portal UOL, pelo SBT e pela rádio Jovem Pan, o ex-governador de Pernambuco voltou a criticar a falta de controle da inflação por parte do governo federal e disse que "o Brasil vai tirar Dilma" do Planalto. Campos defendeu em público pela primeira vez o passe livre para estudantes e afirmou que não tem intenção de tentar eventual reeleição em 2018.

Acesse a página especial da sabatina da Folha com Eduardo Campos

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Ricardo Balthazar - Bom dia. Essa é a sabatina com o candidato do PSB à Presidência da República, Eduardo Campos. Esse vai ser o primeiro de uma série de encontros com presidenciáveis organizados pelo jornal Folha de S.Paulo em parceria com o UOL, com o SBT e a rádio Jovem Pan. Meu nome é Ricardo Bathazar, eu sou editor do caderno "Poder", da Folha de S.Paulo, e junto aqui comigo nesse encontro estão os jornalistas Josias de Souza, que é blogueiro do UOL, Kennedy Alencar, que é comentarista do SBT e Patrick Santos, repórter da rádio Jovem Pan. Obrigado a todos que nos acompanham ao vivo aqui no Teatro Folha, pelo site da Folha, pelo portal UOL e pela Jovem Pan. Eu lembro aqui ao público que a plateia vai poder fazer perguntas, elas serão recolhidas por uma equipe de apoio e trazidas até a mim e, se houver tempo, eu seleciono algumas aqui para fazer ao candidato. Antes de começar, só uma orientação básica: a duração prevista do encontro é de uma hora, nós teremos dois blocos de 30 minutos. Nós teremos um pequeno intervalo de dois minutos no meio, entre os dois. Antes de começar nós vamos ver um vídeo sobre a trajetória do candidato.

Ricardo Balthazar - Bom dia, candidato.
Eduardo Campos - Bom dia, Ricardo.

Ricardo Balthazar - Eu queria começar com uma pergunta de política. O senhor foi muito enfático na semana passada, numa entrevista que o senhor deu no Maranhão, sobre as diferenças que o separam dos outros candidatos da corrida presidencial. Eu vou citar um trecho da sua entrevista, o senhor disse assim sobre o PMDB, que "todo mundo sabe que esse PMDB está com o pé em duas canoas. A única canoa que ele não bota o pé é a nossa porque a nossa canoa é a da renovação política". E o senhor disse também nessa entrevista, sobre o seu adversário Aécio Neves, o candidato do PSDB, que o senhor tem uma visão política distinta dele. No entanto, o senhor apoia candidatos do PSDB ao governo estadual em São Paulo e no Paraná, o senhor está aliado ao PMDB em vários Estados e o senhor apoia um candidato do PT no Rio de Janeiro. PT, partido com o qual o senhor rompeu pra entrar na corrida presidencial. A minha pergunta é: como o senhor vai explicar pro eleitor a coerência das alianças que o senhor fez e como elas combinam com o discurso de renovação política que senhor tá lançando na campanha?
Bem, Ricardo, nós temos uma trajetória no campo democrático popular brasileiro de lutas junto do povo por direitos, por cidadania, uma luta pela reforma agrária, luta pela reforma urbana, pelos direitos dos estudantes, pela educação pública, essa é a minha caminhada. Como também a caminhada da Marina, que será nossa vice-presidenta. Nós entendemos que é chegado o momento no Brasil de dar ao povo brasileiro o direito da escolha, para que as pessoas possam ter, entre as candidaturas, um conjunto político que aposte na renovação política brasileira. E essa renovação não vai se dar destruindo o que existe. Pelo contrário. Nós sabemos que o novo não surge do nada, ele surge do que existe. E nós sabemos que a forma de renovar a política não é disputar Estado a Estado, palanque estadual a palanque estadual, é disputar o poder de Brasília, o poder central do Brasil. Por quê? Porque a federação brasileira concentra tantos recursos e tanto poder, que é ela quem alimenta nos Estados as velhas oligarquias e o velho jeito de fazer política. É pelo fisiologismo, pelo patrimonialismo, pela entrega de ministérios, pelo jogo das emendas parlamentares, pela ocupação dos órgãos públicos regionais, que esse conjunto político se sustenta e termina levando o Brasil a viver uma crise efetivamente de legitimidade das instituições democráticas. Eu, como um democrata, eu como alguém que lutou e viu a ausência de democracia na sua própria vida, sabe que para a gente resgatar a crença da população e da sociedade nas instituições, nós precisamos melhorar a política. Nós mesmos precisamos melhorar, fazer autocrítica, melhorar falhas. E eu acho que é isso que e Marina estamos tendo coragem de oferecer ao Brasil. Nós não queremos aqui estar falando mal de quem quer que seja. Nós queremos colocar pro Brasil o seguinte: há uma crise na democracia brasileira. A política não tem atraído novos quadros, nem tem encantado a sociedade. Há uma agenda que a sociedade colocou na rua. Essa agenda da educação de qualidade, da mobilidade, da saúde, do emprego de qualidade, da segurança, essa agenda só vai ser efetivada se o Brasil tiver um novo padrão político. E aí é preciso que alguém diga, como eu disse, com todo o respeito, é verdade que a velha política no Brasil e o PMDB dominante, esse que tá aí no governo da Dilma, ele tá com o pé em duas canoas, ele tem uma sublegenda, todo mundo sabe disso. Ele tá com um pé no PT e tem uma sublegenda na candidatura do Aécio, é isso.

Josias de Souza - Governador, afora esses aspectos regionais que o Balthazar mencionou, houve uma inflexão na sua candidatura. O seu partido percorria uma trilha tradicional. Teve filiado aqui em São Paulo, o Skaf, que hoje tá no PMDB. Grande empresário, foi filiado ao partido socialista brasileiro. Em Goiás, vocês tiveram a filiação do Júnior Friboi, grande empresário também filiado ao PSB. Antes da filiação democrática de Marina ao PSB, os senhores filiaram algumas pessoas que permanecem no partido. Os Bornhausen, em Santa Cantarina, Heráclito Fortes no Piauí. E antes também da entrada de Marina, o senhor percorria um caminho ainda mais tradicional, no âmbito federal, e não estadual. O senhor conversava com Roberto Jefferson, do PTB, o senhor conversava com Carlos Lupi, do PDT. Visava compor uma coligação mais tradicional do que isso, difícil antever. O PTB com todos os problemas, o PDT com problemas no Ministério do Trabalho. Houve aí uma inflexão e não houve uma autocrítica. Não faltou uma autocrítica?
O PSB na verdade vem, desde muito tempo, tentando se colocar na cena brasileira como uma opção do campo progressista. Nós fizemos isso desde 2002, quando tentamos uma candidatura, que tinha um candidato e um programa. O programa era até melhor do que o candidato. Nós tentamos fazer esse embate na associação ao presidente Lula, nós discutimos a candidatura própria em 2010. O partido, o cerco que foi dado às alianças regionais, os apelos feitos pelo próprio presidente Lula nos levaram a apoiar Dilma no primeiro turno em 2010, quando o partido discutiu durante todo o ano de 2009, até março de 2010, uma candidatura própria. E nós colocamos, com muita clareza, desde o final de 2011, as nossas críticas à condução feita pela presidenta Dilma ao país. Eu acho que a presidenta perdeu uma oportunidade extraordinária. Ela será a primeira Presidenta da República, do ciclo democrático do país, que vai entregar o país pior do que recebeu. O Itamar entregou o Brasil melhor do que recebeu do Sarney, o Fernando Henrique...

Nós não estamos falando de 2010, nós estamos falando de agora.
Mas pra chegar agora, talvez eu tenha que visitar 2010, para as pessoas acompanharem e entenderem. O Itamar entregou melhor do que recebeu do Sarney, o Fernando Henrique entregou ao Lula melhor do que recebeu do Itamar, o Lula entregou melhor o país do que recebeu do Fernando Henrique e a presidenta Dilma entregará pior. E nós, desde 2012, quando disputamos as eleições com o PT em várias capitais, em várias capitais, deixamos muito claro as nossas divergências com o governo. E conversamos com várias forças políticas sim, em torno de um programa. Eu venho de uma tradição e de uma militância progressista de esquerda de um Estado que tem uma tradição de fazer frente política. A frente do Recife está aí na história brasileira como a frente que efetivamente inspirou outros movimentos frentistas no Brasil. Agora, uma coisa é fazer frente com pensamento, com uma pauta que tem referência com a sociedade. Outra coisa é fazer um ajuntamento de pessoas, trocar ministério por tempo de televisão em véspera de eleição como a presidenta está fazendo. Nós não estamos fazendo isso. Claro que todo esse processo e sobretudo o que houve em junho nas ruas, colocaram as pessoas que têm inteligência, sensibilidade política, para pensar. E nós pensamos, e nós fizemos autocrítica sim. Que bom que a gente tem humildade pra fazer autocrítica. Que bom que a presidenta tivesse essa humildade pra lá naquele episódio de junho ela ter feito o que ela se comprometeu a fazer com o povo. Ela não fez e nós fizemos. O nosso encontro com Marina foi parte também de todo um processo de sobrevivência desse campo político que nós representamos. Porque eles tentaram garrotear a Rede de todo o jeito. Tentaram disputar o PSB por dentro de todo o jeito. E, pra chegar vivo aqui, você não imagine que foi fácil. Você não imagine que foi fácil. Foi preciso resistir. Foi preciso fazer alianças táticas. Agora, nós, na política brasileira, nunca transigimos entre a existência do novo, do que se liga à sociedade, do que é inovador, do que tem como referência o povo, nós sempre estivemos nessa luta, sempre. Nós nunca estivemos fora disso.

Kennedy Alencar - Governador, falando aí estrategicamente da sua candidatura do senhor à Presidência, no começo desse ano, o senhor fez uma rodada de conversas com empresários em São Paulo, foi muito bem recebido. O Aécio Neves, do PSDB, era criticado por não ser tão incisivo na campanha dele, inclusive nas críticas ao governo. De lá pra cá, o Aécio conquistou a preferência do empresariado, ele liderou a campanha pela CPI da Petrobras, ele faz um discurso mais oposicionista do que o senhor, porque o senhor sempre ataca mais a presidente Dilma e pouco o presidente Lula. Pergunto pro senhor: com 70% de sentimento mudancista no eleitorado, não é um erro tático ser um candidato que está tentando fazer o caminho do meio, ou seja, não tá claro que não há espaço pra terceira via e que a polarização PT-PSDB já impediu, por exemplo, a sua candidatura de ter sucesso nessa eleição, não tá difícil?
Não, de forma nenhuma, nós estamos completamente tranquilos do que o que nós estamos fazendo é o que a sociedade espera da nossa alternativa política, do nosso campo político. O que é que existe? Um desejo de mudança, é fato. Todas as pesquisas têm isso em comum. Entre 70, 75% da população deseja mudança no país. E existem dois projetos de mudança. Um projeto de mudança conservador, que já governou o país, que quando governou fez coisas que nós reconhecemos positivas, como a estabilização econômica, como todo o saneamento no sistema financeiro e, de outro lado, existe um projeto progressista, que entende que é fundamental unir o Brasil, preservar as conquistas sociais, não negar as conquistas que foram produzidas no Brasil nos últimos 12 anos. Isso não conciliar com o erro não. Isso é um dever de coerência.

Vocês não ficam no meio do caminho? Não vai tanto pra oposição, nem vai tanto ao governo, isso não é contraditório?
Eduardo Campos: Não, não é contraditório não, é verdadeiro. É verdadeiro. Porque a verdade se estabelece, Kennedy. Porque o que o Brasil não aguenta mais é essa disputa em que o PT diz que o PSDB não fez nada pelo Brasil, e isso não é verdade e o PSDB diz que o PT é um partido cheio de corrupto que não fez nada pelo Brasil. Isso é outra inverdade. A verdade é que o Brasil deseja mudar. O Brasil vai tirar Dilma porque esse modelo esgotou-se. Mas o Brasil quer botar alguém que vá levar o país pra um futuro, que preserve as conquistas, que interprete os valores que estão em disputa no mundo. O mundo pós-crise econômica, um mundo em crise ambiental, um mundo em busca de felicidade, é um mundo que precisa que as lideranças políticas tenham humildade para compreender que o que está disputando são valores muito diferentes da opção conservadora de mudança que se apresenta ao país. É uma hora de escolhas. Nós queremos ser a candidatura que diz assim: nós queremos desenvolvimento, mas desenvolvimento com sustentabilidade. Nós queremos inclusão, mas não é inclusão que gera dependência, é que liberta. Essa será dada com educação em tempo integral. Pra isso, tem muito estudante pobre que precisa ter passe livre. Aí a gente tem que fazer a escolha. Entre subsidiar os juros para as grandes empresas e arrumar a passagem pra um estudante de periferia chegar à escola, nós somos do time que vamos optar pela educação integral e pela passagem, pelo passe livre para aqueles estudantes.

Então, pra poder subsidiar o passe livre, os juros para empréstimo terão valores mais altos que os de hoje?
Nós somos do time que tem que fazer as escolhas. A hora que o Brasil precisa, o debate presidencial não é o debate do libelo acusatório, de tentar jogar lama nos outros, pedras nos outros, ou dizer assim: eu sou aqui, sou forte, tenho 12 minutos de televisão, vou ganhar porque tenho ponto na pesquisa. Eu já ganhei eleição que tinha muito menos ponto na pesquisa do que eu tenho hoje. Eu quero só te dizer o seguinte: nós precisamos fazer um debate presidencial elevado, respeitando uns aos outros, mas dizendo que nós vamos fazer escolhas diferentes da que Dilma fez e que Aécio fez.

Então a sua proposta pro passe livre é elevar os juros que se cobra dos bancos oficiais pelos empresários?
Não, não, não. A minha proposta... não. Eu tô dizendo o seguinte: nas escolhas, eu tô falando nas escolhas, na hora de fazer a escolha, nós estamos fazendo a escolha de chegar no orçamento da União, aprovaram agora o Plano Nacional de Educação. Tem que botar 10% na educação. Vai botar em quê? Nós vamos botar no ensino integral, porque isso muda a vida das pessoas, liberta. Tá aí o exemplo da Coreia, tá aí vários exemplos de educação bem sucedidos em municípios brasileiros, em escolas públicas estaduais brasileiras, nós queremos fazer exatamente esse foco. É uma questão de discutir quais são as escolhas. E quero te dizer: nós não somos terceira via não. Nós somos a via pra tocar o Brasil em frente, pra colocar o Brasil num ciclo de mudança pra melhor, é isso.

Patrick Santos - Agora, candidato, voltando um pouquinho à questão política, o senhor tem criticado a presidente Dilma e vem preservando o ex-presidente Lula, que inclusive fez um governo melhor que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Agora, se o ex-presidente Lula for candidato, é pouco provável mas não é impossível, o senhor matéria a candidatura? Não é meio incoerente defender o governo Lula e criticar a presidente Dilma?
Não, absolutamente. Eu participei do governo Lula, Marina participou do governo Lula. Nós votamos no Lula em 89, meu partido fez a frente popular PT-PCdoB-PSB quando perdemos em 89. Eu não vou negar minha caminhada e minha história. As divergência com o presidente Lula que tive, eu sempre afirmei com a maior tranquilidade, agora dizer que o governo Lula não foi muito melhor que esse governo de Dilma seria negar a realidade, é só sair aí e pesquisar, perguntar à população. Teve falhas, teve. E qual era nossa expectativa? Que a Dilma, durona, gerentona, que não ia transigir com a velha política, corrigisse as falhas que Lula efetivamente permitiu que ocorressem no seu governo. Que permitiu por situação política, outras por erro mesmo dele, mas o fato é o seguinte: quem tá disputando a eleição não é o presidente Lula. Por que é que eu vou fazer o debate com o presidente Lula? Eu vou fazer o debate com a presidenta Dilma. Se o PT tivesse escolhido o presidente Lula como candidato a Presidente da República, nós, eu e a Marina, estaríamos aqui, discutindo com ele com a maior tranquilidade do mundo, com respeito a ele, mas exercendo nosso papel democrático de dirigir e de oferecer ao país um outro caminho, só isso.

Mas pro eleitor não passa um pouquinho essa, essa...porque é o mesmo partido. Alguns escândalos, por exemplo, da Petrobras, vêm do governo Lula. Enfim, tem outras questões, a indústria, pouco funcionou no governo Lula. A Dilma vem tentando agora as privatizações, enfim, não é uma incoerência aí, por ser a mesma...
Não é uma incoerência, há uma questão fática. Quem é o candidato do Partido dos Trabalhadores a Presidente da República? Dilma Rousseff. Então, eu não posso disputar a eleição nem fazer a interlocução com outra pessoa porque não é ela que tá representando? Se o candidato fosse o presidente Lula, eu estaria aqui me dirigindo ao presidente Lula. Porque aí ele estaria respondendo na condição de candidato. Somente uma questão. Agora, você acha que eu vou entrar nessa do PSDB de ficar aqui fazendo debate com Lula? O PSDB, Aécio quando foi candidato a governador, vocês amanhã vão estar com ele aqui, ele fez comitê Aécio-Lula. Não é... você sabe qual que foi a atitude que o PSDB teve na eleição de 2002, na eleição de 2006. Então agora, nós vamos fazer um debate com quem não é candidato, é esse o projeto?

Ricardo Balthazar - Vamos abrir espaço agora para uma pergunta do internauta.

Internauta - O Aécio, no "Roda Viva", programa da TV Cultura, propôs o mandato de cinco anos. Quatro anos de trabalho, um ano de rescaldo de trabalho e eleição. Você é a favor dessa proposta, do fim da reeleição?
Sou a favor dessa proposta, meu partido é a favor dessa proposta, já falou sobre ela não agora que eu sou candidato, mas já falou sobre ela mais de cinco anos atrás, entre alguns pontos que sugerimos para iniciar uma reforma política, entre eles, mandato de cinco anos sem reeleição, com coincidência de eleições.

Ricardo Balthazar - Queria que o senhor qualificasse um pouco sua resposta. O senhor é a favor da reeleição já no seu mandato, quer dizer, quando chegar ao fim do seu mandato, o senhor não disputaria a reeleição?
Não tenho nenhum projeto de disputar a reeleição. Eu vou ser eleito Presidente da República e vou ser eleito não pensando em reeleição. Vou ser eleito pensando em fazer com que o Brasil viva um tempo de união em torno de uma pauta renovadora, de um ciclo de transição, de um tipo de governança que se esgotou nesse presidencialismo de coalizão para uma outra governança com programa. Não tenho nenhuma pretensão de ser candidato à reeleição pra Presidente da República.

Então o senhor abre mão de se candidatar à reeleição?
Sem nenhum problema, sem nenhum problema. Não é uma questão de um pleito pessoal, de uma busca pessoal. O que nós estamos tratando aqui é do futuro de 200 milhões de brasileiros, que olham pra Brasília e não veem naquela política mais nenhuma relação com a sua vida real. E nós estamos querendo resgatar, eu, que sei a importância da política, que vivo a política desde que nasci, sei os efeitos perversos desde que nasci, não sabia nem o que é que era o mundo, eu já tava sofrendo os efeitos da ausência da democracia. Então, entendendo a beleza e a importância da política, nós queremos resgatar a política da descrença que ela vive hoje. E eu acho que uma das formas de fazê-la foi exatamente esse encontro com Marina pra propor uma série de ideias pro Brasil que é possível fazer política de outro jeito. Inclusive, sem pensar em reeleição.

Josias de Souza - Nessa linha de fazer política de outro jeito, o senhor fala da descrença que hoje há em relação à política tradicional, há um ponto nessa trajetória que contribuiu pra essa descrença foi o mensalão. Na época do mensalão, o senhor integrava o governo e não se ouviu naquela ocasião nenhum reparo seu, nenhuma crítica sua. O senhor era ministro, deixou de ir ao Congresso supostamente pra ajudar na articulação do governo, o senhor foi testemunha de José Dirceu no processo do mensalão e recentemente, em abril, num encontro com empresários, havia uma frase do presidente Lula, dizendo em uma entrevista em Portugal, ele dizia que 80% do julgamento tinha sido político e 20% jurídico, no Supremo. O senhor foi instado a comentar isso e se esquivou de comentar, se me permite o termo. O senhor falou "não, 100% da sociedade já comentou sobre esse assunto, não há mais". Não lhe parece que é preciso deixar claro qual é a sua posição sobre esse tema, uma vez que o senhor fala tanto em renovação e tal, não é importante que as pessoas saibam exatamente o que o senhor pensa sobre o escândalo do mensalão?
É semelhante o que eu acho e o que eu penso sobre, por exemplo, o escândalo da compra de votos para a reeleição no governo Fernando Henrique Cardoso. Eu acho isso um horror. Eu nunca tive a ver nem com uma coisa, com a compra de votos pra reeleição do Fernando Henrique, nem pra o mensalão. Tanto que todos os processos de investigação foram feitos, eu fui líder no primeiro ano do governo do presidente Lula na Câmara do meu partido, quando votaram todas as mudanças importantes da chegada do governo e todos os líderes da oposição de governo sabem a minha atuação e sabem o que é que eu fiz lá. Todos aqui sabem, você escreveu sobre isso, que eu, dentro do governo participava num conjunto que tinha divergência com José Dirceu, explícitas. Ele defendia no meu Estado a aliança do PT com o principal adversário nosso. Divergência explícitas. Ele foi contra inclusive que entrasse no governo do presidente Lula em 2004. Todo mundo sabe disso. Tá escrito em tudo que é jornal. Agora, eu participava de um governo que foi construído legitimamente, que fez muita coisa boa para o Brasil, acertou ao ter humildade em continuar a política macroeconômica do presidente Fernando Henrique, fez avanços na área da ciência e da tecnologia, onde eu trabalhei, fez avanços na área ambiental, onde a Marina trabalhou, fez avanços na área social com o Bolsa Família e outros programas importantes e eu efetivamente naquele momento soube fazer o debate respeitoso dos interesses do país e sempre defendi a mais dura apuração desse processo e quando eu disse num debate aqui em São Paulo, no dia seguinte da declaração do presidente Lula, minha intenção era exatamente dizer: "tá julgado, não cabe mais debate político depois que a Suprema Corte de um país julgou que houve crime e apenou os envolvidos, não tem mais o que ficar discutindo. Porque nós defendemos a democracia, o Estado Democrático de Direito, os poderes constituídos, a Suprema Corte de um país diz que um conjunto de pessoas cometeu um crime, eu vou dizer agora como alguém que defende a democracia dizer que ela errou, fez política, que não há indício, que não há prova, não cabe. Num Estado Democrático de Direto, não cabe esse tipo de declaração.

Kennedy Alencar - O senhor tem dito que é possível chegar, após um mandato presidencial, a uma inflação de 3% ao ano. Hoje ela roda, o acumulado nos últimos 12 meses, em 6,5% ao ano, tá mais que o dobro. A presidente Dilma já deu declaração dizendo que o desemprego teria que chegar a 8% pra se atingir a meta de inflação que o senhor defendeu. Mas economistas conservadores, de todas as matizes, também falam que seria necessário elevar o desemprego e diminuir a renda. Pergunto pro senhor: é essa a receita que o senhor vai seguir pra diminuir a inflação?
De forma nenhuma. Essa é a receita equivocada que a presidente Dilma está fazendo com que o país tenha o menor crescimento de toda a história republicana, desde Deodoro da Fonseca, o juro real maior do mundo e a inflação maior que a média histórica dos últimos 12 anos. Ou seja, nós temos uma situação que precisa ser enfrentada. Primeiro, com transparência. Nós precisamos ter criatividade para deixar os números do Brasil transparentes à sociedade. Segundo: nós precisamos per uma narrativa de longo prazo, uma visão de planejamento estratégico. Qual é o país que nós queremos ser nesse século? Quais são as nossas potencialidades? Como é que nós vamos nos inserir no concerto internacional de maneira a abrir espaços para os nossos produtos industriais, produtos do setor primário. Quais são as bandeiras que o Brasil vai defender mundo afora no seu posicionamento? Agora, nós temos sim como tirar o Brasil dessa situação, desse atoleiro que ele se meteu. Para tirar o Brasil desse atoleiro, é preciso uma governança econômica responsável, é preciso ter compromisso com o centro da meta de inflação sim. 4,5% é a meta do próprio governo hoje. Eu disse que, ao cabo de um ciclo em que a inflação venha para o centro, num próximo governo, você pode ter como tem hoje o Chile, de 3%. Por que é que não podemos ter?

Agora, há uma ilusão de que esse será um caminho sem dor?
Não, eu não tô vendendo ilusão até porque eu tenho formação de gestor público, quem me conhece sabe que eu não costumo vender ilusão. Eu sou muito objetivo, eu transformo os programas de governo em projetos objetivos para serem implantados, vou buscar gente competente, séria, pra me ajudar a fazer acontecer. Eu tenho discutido com muitos economistas. Nós somos o único candidato que chamou a imprensa brasileira pra ver um conjunto de mais de 30 economistas conceituados, pessoas que já atuaram em Banco Central, em BNDES, em Ministério da Fazenda, que já participaram de movimentos muito bonitos, de políticas macroeconômicas que deram certo. Vocês fotografaram, viram que estão nos ajudando a pensar o atual momento e como nós sairmos disso. Eu tenho certeza que nós vamos chegar no final de 2015 muito melhor do que Dilma vai nos entregar no final de 2014 o país.

Ricardo Balthazar - Nós vamos ter que fazer agora um pequeno intervalo, daí a gente retoma em dois minutos.

Eleitor Julio César da Silva - Advogado: Em relação ao desempenho do governo da Dilma, qual é a sua opinião?
Eu acho que o Brasil torceu muito para que a Dilma desse certo. Os que votaram nela e até os que não votaram nela. Houve um determinado momento em que a gente via que havia uma grande expectativa positiva de que ela pudesse colocar em prática uma série de valores que já estavam sendo reclamados na vida brasileira e o fato, a história, vai contar esses quatro anos. Acho que ela jogou fora essa oportunidade ou não soube fazer ou não teve força para fazer ou não teve paciência... enfim, capacidade política de entender qual era o papel dela na história naquele momento. A meu ver, era exatamente preservar as conquistas que ela havia herdado, e ela sinalizou positivamente nisso quando ela sinalizava –inclusive com o presidente Fernando Henrique Cardoso, que era uma coisa não habitual na matriz do PT– que ia colocar sua capacidade de gestora [à disposição], quando o próprio governo falava que ela seria a "faxineira". No final, o que a gente vê? Ela, que se dizia desenvolvimentista, vai nos legar o tempo de mais baixo crescimento. Ela, que nos dizia que ia baixar os juros, vai nos deixar os juros mais altos no tempo em que as famílias brasileiras estão mais endividadas. Ela, que dizia que ia baixar a energia elétrica, a energia foi lá para cima. Ela, que comandou a Petrobras durante o governo Lula como ministra das Minas e Energia e [depois] como presidenta da República, nos entrega uma Petrobras vulnerável, com metade do seu valor na Bolsa de Valores e quatro vezes mais endividada, metida em toda essa sorte de confusão. Ou seja, sinceramente, ela vai ficar reconhecida como a presidenta, como disse há pouco, que entregará, pela primeira vez no ciclo democrático, um país pior do que encontrou.

Ricardo Balthazar - O senhor tem repetido várias vezes que, se for eleito, vai mandar para a oposição as "raposas que já roubaram o que tinham que roubar". O senhor poderia dizer quem são as raposas, o que é que elas roubaram e por que o senhor não denunciou elas antes?
Eu tenho falado que é importante –e as ruas dizem isso, o sentimento da sociedade diz isso– a agenda que nós temos, que é dar conta de retomar desenvolvimento com sustentabilidade, cuidar de educação, cuidar da segurança pública –que hoje é algo que o governo federal não se envolve. A sociedade toda com medo, uma série de pessoas morrendo vítimas do crack, os assaltos aumentam e o governo não se envolve. Cuidar da saúde, não só da saúde do SUS, mas do papel fiscalizador do Estado brasileiro sobre a saúde privada, que ele não está exercendo. As reclamações sobre a qualidade da prestação de serviço sobre a saúde privada do Brasil é crescente...

Sim, governador, mas...
Toda essa agenda precisa de um outro padrão político. Se você quer ter a telefonia melhor que a de hoje no Brasil, você precisa ter uma Anatel [Agência Nacional de Telecomunicações] com gente competente e séria que não vai fazer jogo das raposas...

As raposas estão na Anatel, então. É isso?
Estão em todos esse ministérios. Vocês têm ouvido como é que as coisas têm sido feitas. Vocês viram a troca de ministérios acontecendo a 48 horas...

E quando o senhor estava no governo, nunca viu essas raposas?
Aonde essas coisas chegaram? Vocês estão vendo aonde essas coisas chegaram. É preciso renovar a política, inovar na política, é preciso ouvir os reclamos que vêm das ruas. Então, como alguém que anda na rua, como alguém que desenvolveu a capacidade de ouvir e de interpretar, eu estou dizendo aquilo que eu escuto nas ruas. Tem tanta gente em Brasília mandando e desmandando que continua roubando os sonhos do Brasil de ser um país justo, de ser um país aonde valha a pena ser sério, onde a competência seja efetivamente reconhecida, aonde no serviço público quem entrou pela porta da frente seja diretor de órgão, valorizar as carreiras no serviço público. Essa é a minha crença. Eu fiz isso como governador. Eu não estou dizendo uma coisa aqui e pratiquei outra, não. Eu fiz isso e deu certo. Eu creio nisso e vou fazer isso como presidente da República.

Josias de Souza - As ruas costumam ser mais diretas, não é, governador? "Fora Sarney", "Fora Renan". O senhor, aqui, tem dificuldade de dar os nomes, mas...
Eu não tenho dificuldade nenhuma. Eu já dei, Josias. Mas não é uma questão só de nomes. Porque há outros que fazem a mesma política que o Sarney faz e a gente não conhece. A gente precisa tirar [eles] também. É o tipo de política. É o tipo de padrão político. E, na minha cabeça, você só vai vencer isso em Brasília, porque é Brasília que alimenta em Alagoas a política atrasada. Porque é Brasília que alimenta lá no Maranhão a política atrasada de 50 anos do governo Sarney. É Brasília que alimenta no Rio de Janeiro a política atrasada, que tem ligação com o crime organizado, que tem ligação com o jogo, que tem ligação com tudo o que a gente não quer ver mais. Então, quem mais reclama por essa nova política é a imprensa brasileira, de forma legítima, cumprindo seu papel estratégico. E eu acho que a gente precisa propor um caminho que diga assim: "Nós não vamos governar com eles".

Eu tenho acompanhado sua movimentação pelo Nordeste e, em diferentes discursos, o senhor tem feito a crítica de que Dilma se elegeu com grandes votações na região e ela não deu a ela uma atenção compatível com a votação que ela teve. O senhor costuma dizer que agora o Nordeste tem um candidato e que ela não terá essa votação expressiva, algo que ainda não se materializou nas pesquisas. Ao elencar as obras que ela prometeu e não entregou, o senhor menciona a transposição do rio São Francisco, que é uma obra do ministério da Integração Nacional, cujo ministro era um indicado seu. O ex-ministro Fernando Bezerra estava lá até setembro do ano passado e saiu quando os senhores deixaram o governo. Por que o senhor não absorve parte da responsabilidade?
A responsabilidade das obras que não foram entregues é da presidenta da República.

E o ministro não tem responsabilidade?
Tem parte da responsabilidade. A responsabilidade política é dela. A responsabilidade da Transnordestina, que é uma obra financiada praticamente toda com recursos públicos, que nos últimos dias do governo do presidente Lula tinha mais de 10.000 trabalhadores fazendo essa estrada de ferro, estratégica para o semiárido nordestino. Essa obra foi paralisada. Completamente paralisada. É ela que dá a possibilidade de você ligar o semiárido aos portos de Pecem, no Ceará, e Suape, em Pernambuco. Parada. A obra da Fiol [Ferrovia Oeste-Leste], lá na Bahia, [está] parada. Você vai ver os parque eólicos –alguns estão prontos– parados, sem gerar energia para a rede porque não há rede de ligação. Você vê a transposição, parada... quer dizer, não entregue, não funcional. Não há uma obra importante no Nordeste brasileiro iniciada e terminada no governo Dilma. Uma obra [sequer].

Mas o ministro não tem participação nisso?
Eu não estou falando... eu estou falando de vários ministérios, você vai ver estradas de ferro, portos...

Ricardo Balthazar - Mas a pergunta foi específica para o ministério que o seu partido controlava.
Sim, mas eu estou falando que não é uma questão só. Se fosse só essa obra, talvez o ministro tivesse uma responsabilidade maior, mas eu estou falando de várias obras que não terminam e que precisam terminar. Aqui em São Paulo, a presidenta disse: "Na Copa vamos ter o trem-bala". Vocês têm visto que o trem que o povo pega é outro. Quem sabe é quem pega o trem todo dia para vir trabalhar aqui.

Josias de Souza - Governador, o senhor vai me perdoar, mas se eu sou ministro de uma área, eu tenho que entregar uma obra e a obra não é entregue, eu peço o meu boné e [digo] "olha, sinto muito, a presidente não permite, não disponibiliza os recursos". Mas o seu ministro estava lá, ele estava satisfeito. Ele queria ficar, inclusive. Ele demorou em aceitar a ideia de deixar o ministério.
Essa é uma versão. A outra versão é a de que ele já queria sair em dezembro de 2012. A presidenta me chamou para conversar em janeiro, você publicaram, e ele depois pediu para sair. Agora, uma obra em um ministério setorial só ocorre se tiver orçamento, se tiver liberação de recursos, tiver os licenciamentos, tiver tudo. Não depende dele. Ele não tem o Tesouro do lado para colocar, não tem AGU [Advocacia-Geral da União] do lado. Tem uma série de questões que quem compreende de tocar a máquina sabe muito bem. Você pode ter um ministro e não ter o apoio do governo e a obra não ser prioridade. Não chega o dinheiro, não chega o orçamento, não chega a questão dos contratuais e tudo mais.

Patrick Santos - O senhor tem apenas 11% de intenções de votos no Nordeste. No índice geral o senhor tem 9%. Para quem governou Pernambuco e teve um índice de aprovação alto, é muito pouco. Os próprios aliados do senhor dizem isso. O senhor fala que a presidente Dilma deve a eleição dela ao Nordeste. Por que o senhor tem um fraco desempenho no Nordeste?
Porque a campanha não começou ainda, vocês estão fazendo a primeira sabatina. A campanha começou domingo passado e nós vamos ter um processo de campanha ainda. O Nordeste tem sim um processo de frustração com Dilma muito grande. Há, sim, claramente, os números indicam que os 12 milhões de votos que ela botou de frente...

Ela aparece com 55%...
Dos 12 milhões de votos que ela colocou no [José] Serra, 11 milhões vieram de lá, porque os números dela foram próximos de 70% na última eleição. A campanha vai começar. Nos estados vamos ver os debates, as pessoas vão tomar conhecimento de que eu sou candidato. Se você chegar no interior, até no interior de Pernambuco, tem muita gente que não sabe que eu sou candidato a presidente da República, tem muita gente que não está ligado na política.

O senhor acredita que vai haver um Nordeste politicamente unido?
Vai haver uma queda dela, como já está tendo. Ela começou o ano com 65%, 68% em muitos estados. Essa queda está levando ela para 55% e ela vai chegar a um padrão assemelhado ao padrão nacional. Não há nada que diferencie o Nordeste a não ser a campanha terrorista feita sistematicamente, que eu tenho denunciado, de que eu ou o Aécio iríamos acabar com o Bolsa Família se ganhássemos a eleição. É algo nefasto, atrasado, um tipo de política que sinceramente não se faz. E eu tenho confiança.

Eu conheço o Nordeste inteiro, conheço como a palma da minha mão. Quando chegar no final de agosto, a realidade no Nordeste será completamente diferente e, na medida em que ela [Dilma] cai sobem os indecisos, porque há uma dificuldade no Nordeste em votar numa opção do PSDB, por todas as lutas que foram travadas com o PSDB, com todas as imagens que foram se formando, e eu acredito que vou ganhar a eleição no Nordeste e que isso é muito importante para ganhar a eleição no Brasil.

Kennedy Alencar - As previsões mais pessimistas sobre a organização, segurança e infraestrutura da Copa do Mundo não se realizaram. Fora do campo, a Copa foi um sucesso. A oposição exagerou, errou na crítica que fez? E o senhor defende algum grau de intervenção do Estado no futebol brasileiro? Essa lei de responsabilidade fiscal do esporte tem que ser aprovada? Tem que haver uma agência reguladora do esporte?
Eu posso dizer com tranquilidade que, sobre essa questão da Copa, eu sou o único candidato que vai manter, durante todo o período, antes e depois da Copa, a mesma coisa que sempre disse.
Teve gente que mudou ao sabor da maré. Se a maré estava cheia, o discurso era um, se a maré estava baixa, outro. Meu discurso é o mesmo. Sempre foi. Só que a Copa passou e o povo agora está atrás de outra Copa, a Copa da vida real. A Copa da violência, infernizando a vida de todo mundo, a Copa dos ônibus lotados, da mobilidade. A Copa da educação, que precisa ser ganha pela juventude. A Copa da inclusão produtiva de muitas pessoas que estão perdendo o emprego porque a economia está aí rateando –todo mundo está vendo os empregos industriais desaparecendo. Essa é a Copa real.
Eu vou me manter neste debate, com o mesmo equilíbrio que tive no outro, sem mudar minha conversa ao sabor da maré, sem mudar a minha visão, a visão que eu compartilho porque tenho escutado muitas pessoas. Eu acho que agora é a hora de discutir o Brasil real, a pauta da sociedade, é essa a função das eleições, não é ver a pesquisa, vai ganhar ou não vai ganhar, é o debate das ideias, o debate do pensamento, como tirar o Brasil dessas situações e que valores devem estar presente nesse pensamento.

Os pessimistas erraram, então?
O valor do desenvolvimento com sustentabilidade, do respeito à vida, dos direitos humanos. Há uma política que enfrente a violência pactuando com o Brasil.

Ricardo Balthazar - O senhor não respondeu sobre lei de responsabilidade fiscal do futebol e se os pessimistas erraram.
Eu não sou um pessimista ou um otimista que não vê a realidade. Eu sou um realista que tem ânimo, fé e crença para vencer com objetividade, com base científica, com gente competente. Agora, para você vencer, você tem que dar exemplo. Cabe ao líder dar exemplo de e inspirar o país com atitudes que geram otimismo. Arrogância, falta de diálogo, intolerância à crítica não geram otimismo. Dividem o país. E tudo o que nós precisamos é unir o país em torno de um pensamento.
Acho, sim, que o Brasil precisa discutir, sem que o Estado interfira em questão de futebol. Mas é preciso ter regras para que haja também uma renovação no futebol brasileiro. Todo mundo sabe o que é que acontece no futebol brasileiro há muitos anos.
Falta uma atitude em relação a isso. Qual o marco legal que pode ser discutido em relação a isso? De preferência fora desse calor da eleição, para que todos possam se posicionar de maneira coerente, unindo o país num debate que pode ser consensual para renovar um esporte que é tão querido na vida dos brasileiros. Para que a gente tenha campeonato nacional e não campeonato com alguns estados participando, para que a gente tenha muitos talentos que são desperdiçados por conta dessas práticas no futebol aproveitados para a alegria dessas famílias e para a alegria de todo o povo brasileiro.

Josias de Souza - Em entrevistas, o senhor falou em trazer a meta da inflação para os 3%, em autonomia do Banco Central, em criar alíquotas de imposto de renda abaixo de 27,5% diferenciadas. Agora, na hora de levar isto em programa para o TSE, o senhor, que falou tanto com sua vice em questões programáticas, foi bem hermético naquilo que apresentou. Macroeconomia praticamente não existe naquele programa. Por quê? É difícil colocar no papel compromissos a serem assumidos depois?
Não, de forma nenhuma. É porque aquele documento está lá, dito com toda clareza, são as diretrizes.

Ricardo Balthazar - A capa do documento diz: programa de governo.
Sim, mas você abre a capa e lá estão colocadas as diretrizes e os seis eixos temáticos. Nós vamos entregar o programa até o final desse mês. Nele, todos esses pontos estão colocados.
É uma questão de tempo. Nós estamos fazendo um programa que não é fechado dentro de uma sala e não é um programa em que não estamos ouvindo as pessoas. Só de seminários regionais nós fizemos cinco que tiveram a participação presencial de mais de dez mil pessoas. Nós lançamos uma plataforma na internet que milhares de brasileiros sugeriram e criticaram.
Nós estamos ouvindo e discutindo setores. Estamos fazendo seminários específicos sobre áreas como saneamento, habitação, sustentabilidade, macroeconomia e vamos entregar um programa com esses pontos bem objetivamente colocados no final desse mês para que ele vá para a televisão. Para que, mesmo com pouco tempo de televisão, a gente possa usar esse tempo, usar as redes sociais, debates como esse para dizer: quero reafirmar nosso compromissos com a escola em tempo integral...

Josias de Souza - Isso não está reafirmado no documento, a propósito, não é?
Exatamente, porque não é naquele documento para ser colocado. Será no capítulo sobre educação do programa. Nós queremos reafirmar nosso compromisso com uma nova tabela do imposto de renda, compromisso com 4 milhões de casas populares. Esses compromissos estarão todos lá e serão cumpridos.

Ricardo Balthazar - No ano passado, o Congresso aprovou um projeto que destina o dinheiro do pré-sal à saúde e educação. No documento entregue ao TSE, o senhor defende que parte do dinheiro arrecadado pelo governo com a exploração do petróleo seja dirigido ao desenvolvimento de novas fontes de energia renovável. A lei já destina esses recursos para outras finalidades. O senhor está propondo uma nova. Como o senhor vai fazer: tirar da saúde, da educação ou dos dois?
Não, na verdade vou fazer uma discussão com o Brasil de que nos anos do governo de Dilma a matriz de energia brasileira piorou de qualidade...

Mas não é isso que está dito no programa. No programa está dito que o dinheiro do pré-sal será revertido para desenvolver energia limpa. Novas fontes de energia renovável.
Sim, sim, eu vou chegar lá. Não estou dizendo que o dinheiro será dos royalties, eu disse que o dinheiro seria do pré-sal. O pré-sal será uma oportunidade para que a Petrobras se capitalize e o governo brasileiro possa dar conta de uma matriz muito mais limpa do que temos hoje.
Nós temos potencial de energia solar que não está sendo aproveitado. A China está dando um show, US$ 60 bilhões por ano de investimento em energia solar. Nós temos um potencial de energia eólica que não está sendo aproveitado. Temos um potencial enorme em biomassa, nas usinas, que está sendo desperdiçado. Nós estamos desperdiçando mais do que uma Belo Monte em bagaço de cana quando o setor está quebrando pelos equívocos desse governo e nós queremos que a Petrobras ajude, ao mesmo tempo em que a Petrobras tem lá uma grande possibilidade em petróleo, que ela, capitalizada, ajude a desenvolver o etanol, a biomassa...

Josias de Souza - Os otimistas estimam que o pré-sal vai começar a produzir em escala comercial em 2018, os mais pessimistas em 2020. Quer dizer, se formos depender do dinheiro do pré-sal para melhorar a produção energética do país, será para o sucessor do presidente da República.
Não, não vamos esperar pelo pré-sal. Nós estamos anunciando que a nossa posição e o nosso pensamento é que a oportunidade do pré-sal tem que ser para educação e saúde, mas tem que ser para energia renovável também.

Patrick Santos - A energia térmica é fundamental, ainda mais nesse período de seca nos reservatórios. O senhor trabalha com algum prazo para inverter essa matriz energética por uma energia muito mais limpa? Porque o país vive basicamente da hidroeletricidade e das térmicas.
O prazo não é meu, o prazo é da institucionalidade brasileira. O Brasil tem, e não é de hoje, é desde os anos 70, o plano decenal de energia elétrica, que é aprovado pelo Conselho Nacional de Energia Elétrica, que não se reúne há um bocado de tempo.
O que o Brasil precisa é definir qual é a matriz que eu quero nos próximos dez anos, porque dessa forma nós vamos desenvolver inclusive a indústria de painéis solares e a eólica.

Mas isso na matriz ainda é muito pouco, não?
Veja, se você não tem planejamento fica como hoje. A presidenta anuncia de um dia para o outro que vai baixar a energia. Reúne todo mundo, mexe na lei, gera as situações que gerou nas empresas distribuidoras de energia, tira R$ 20 bilhões do Tesouro e bota lá. [Por isso] está faltando [dinheiro] na educação, na saúde, na segurança. Agora, [Dilma] manda as empresas tomarem dinheiro do sistema financeiro e promete às empresas um aumento –mas só depois da eleição, para não atrapalhar a eleição. Assim, você não organiza um setor como esse.
O que eu estou propondo é que a gente tenha um planejamento e fixe um roteiro: nós vamos ter "x" por cento de energia renovável. O Conselho Nacional de Política Energética vai definir: nos próximos dez anos, nosso roteiro é esse, nosso objetivo é esse. Com isso, você estrutura uma cadeia de pesquisa e financiamento a indústrias, faz leilões sincronizados, dá oportunidade a investidores externos e refaz o setor elétrico.
Se você diz que uma petroleira com uma grande possibilidade, que é o pré-sal, não tem nenhum compromisso com energia renovável, você não está querendo fazer energia renovável ou matriz limpa no país. O anúncio que nós queremos fazer é que a maior empresa do petróleo do país, a Petrobras, com o pré-sal, tem de ter o compromisso com a matriz renovável no mundo inteiro. O Brasil vai chegar a 2014 em Paris dizendo o que? Nós queremos chegar lá retomando a liderança que esse país já teve no debate ambiental. Então, nós temos que mandar os nossos recados nas diretrizes para a nossa empresa de petróleo.

Kennedy Alencar - Quando a senadora Marina Silva entrou no PSB e depois virou vice do senhor, o discurso é de que ela adensaria a chapa e transferiria os votos –ela obteve 20 milhões de votos em 2010. Até hoje isso não aconteceu. O senhor está com uma intenção de votos baixa na comparação com Aécio Neves e em relação à presidente Dilma.
Nós nunca falamos de transferência, nem Marina nem eu. Na verdade, os votos estão com os brasileiros. Eu tenho um voto, ela tem outro voto. E cada brasileiro tem um. O que nós fizemos foi um encontro em torno de um programa, de um pensar estratégico sobre o Brasil e para dar a possibilidade a esse país de não ficar na velha polarização. Para que as pessoas no Brasil pudessem sair da opção e ir para o estágio da escolha. Ou seja, não tendo que estar ali apenas para optar pelo que está posto.
Há uma nova força política que respeita as outras, que diverge das outras, que coloca o seu pensamento, que pactuamos de maneira clara um pensar sobre o país, sobre a economia, sobre a educação, sobre a saúde, sobre a questão ambiental.
Ninguém discutiu mais o programa do que nós, ninguém ouviu mais a academia do que a nossa candidatura. Reunimos jovens, estudantes, aposentados, pessoas que estavam descrentes na política que voltaram a crer com essa aliança. E nós vamos começar a andar o Brasil agora, vamos lançar essas ideias. E eu tenho certeza de que quando chegarmos ao final de agosto, a realidade será bem diferente do que a gente assiste agora.
Veja, a Marina, quando era candidata em 2010, a esta altura tinha menos do que eu tenho hoje. Nas vésperas da eleição ela tinha muito menos nas pesquisas do que teve nas urnas. Eu estou completamente tranquilo de que nós vamos para o segundo turno, vamos ganhar a eleição, vamos unir o Brasil e vamos fazer o Brasil viver um novo ciclo de desenvolvimento.

Ricardo Balthazar - Antes de encerrar, uma pergunta da plateia. Como podemos entender a nomeação da sua mãe, a Ana Arraes, para o Tribunal de Contas da União? Houve uma intensa mobilização do senhor, do próprio presidente Lula, do PSDB e de um monte de partidos que o senhor considera velhos. Como é que o senhor acha que o eleitor vai entender isso e conciliar com o discurso de renovação política que o senhor está insistindo?
Ana sempre foi uma militante política. Outro dia me perguntaram sobre nepotismo. Nepotismo que eu conheci foi na ditadura, quando as crianças da minha família tiveram que ser escondidas e exiladas para pagar por um crime que não tinham cometido. Ela era uma dessas adolescentes que tiveram que criar sete irmãos, se manter na militância política.
Foi eleita deputada pela oposição –nós não éramos governo– e teve um mandato respeitado no Congresso Nacional. Houve uma vaga no Tribunal de Contas, os deputados lançaram a candidatura dela e ela se elegeu no voto, na regra estabelecida pela Constituição e pela legislação brasileira. De forma limpa teve a maior votação e exerce suas funções. Ela é servidora pública concursada do Tribunal do Trabalho e chegou ao Tribunal de Contas pela regra que todos os outros entraram lá. Não imagino que só a ela, como brasileira, tinha que ser vetada a possibilidade de disputar e ganhar. Só não podia ela?


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