Folha de S. Paulo


Ganenses aproveitam a Copa do Mundo para pedir refúgio no Brasil

Um grupo de cerca de 200 ganenses usou vistos especiais da Copa para entrar no Brasil e, agora, pede refúgio para ficar em definitivo.

Com base na Lei Geral da Copa, os africanos conseguiram um selo em seus passaportes para permanecer 90 dias em território brasileiro.

A legislação determina que, para ter acesso a esse tipo visto, os turistas precisavam apresentar ingressos ou comprovantes da Fifa. Os vistos foram emitidos pela Embaixada do Brasil, em Gana.

Nenhum deles, porém, tinha ingresso nem sequer tentou assistir a alguma partida de sua seleção no Brasil, segundo disseram à Folha.

O Itamaraty e a Embaixada de Gana no Brasil informaram que todos os vistos com base na Lei Geral da Copa, ocorreram com a apresentação dos documentos necessários. Ao todo, foram 7.448 vistos para ganenses.

Gana jogou em Brasília, Fortaleza e Natal. Hoje, porém, esse grupo de africanos está em Caxias do Sul (RS).

Eles desembarcaram em São Paulo no final de junho e, primeiramente, seguiram para Santa Catarina, onde buscaram oportunidades de trabalho em frigoríficos.

Lá, porém, foram orientados a seguir para a serra gaúcha, onde teriam mais chances para conseguir a legalização no país por meio da Polícia Federal, onde senegaleses e haitianos já seguiram o mesmo caminho atraídos por empregos em metalúrgicas.

"Não me perguntaram nada", diz Isaac Yahya, 34, sobre os ingressos para Copa. Ele é viúvo e deixou um filho em Gana. No Brasil, diz que procura um trabalho.

Isaac é um dos ganenses atendido pelo Centro de Atendimento ao Migrante, ligado à Igreja Católica. Ele dorme no Seminário Nossa Senhora Aparecida, em um ginásio improvisado para abrigo, com cozinha e banheiros.

Seu protocolo foi preenchido graças ao trabalho do grupo de voluntários que colabora com as traduções de inglês no grupo organizado pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal.

Editoria de Arte/Folhapress

Ao pedir refúgio ao governo brasileiro, eles relatam pobreza, violência entre tribos e perseguição religiosa.

Uma das poucas mulheres entre eles é Amina Abdul Malik Bansi, 32. Ela também dorme no seminário, mas em um espaço reservado. Ameaçada de morte pela própria família, diz, ela pede refúgio.

"Somos muçulmanos, e quero casar com um cristão. Então, saí de casa. Minha família me rejeita e ameaça me matar", diz Amina, que já tem celular com número local.

A última vez que conseguiu falar com o namorado, que mora em Acra, a capital de Gana, foi no sábado (5).
"Eu digo para ele que ele deve tentar vir ao Brasil."

O padre Edmundo José Marcon, 35, é o reitor do seminário e observa alguns dos muçulmanos fazendo suas orações e jejum, já que este é o período do ramadã.

Segundo o padre, os ganenses organizam e limpam o espaço, além de preparem suas próprias refeições.

Seminaristas e ganenses se integram também em "peladas" na quadra de esportes. "[O jogo] foi bem emocionante. A gente já fez uma amizade legal", diz Erisson Emer, 16, que estuda para ser padre.

Vendedor de mercadoria num mercado de Acra, Nasirm Yussif diz que foi adotado aos três anos. Agora com 19 anos, encontra-se novamente sozinho. Sua mãe adotiva morreu, e seu pai é considerado inválido. Os demais familiares, diz, o rejeitam.

No Brasil, quer estudar e atuar com design gráfico.

Outro jovem, Ibrahim Haruna, 18, não sabe bem o que vai fazer. "Se aparecer trabalho, eu trabalho. Se aparecer estudo, eu estudo", afirma o jovem, que perdeu os pais em um acidente de carro.

Na Polícia Federal, todos eles recebem um protocolo do pedido de refúgio. Com esse documento, eles já confirmam a permanência de um ano no país, enquanto aguardam a avaliação do pedido no Ministério da Justiça.


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