Folha de S. Paulo


Conselheiro do TCE usou paraíso fiscal para ocultar conta

O conselheiro do TCE-SP (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo) Robson Marinho usou empresas de dois paraísos fiscais para ocultar o recebimento de valores no exterior, indicam registros das Ilhas Virgens Britânicas, no Caribe, obtidos pela Folha.

A estrutura montada para esconder o dono da conta envolveu um escritório do Panamá, especializado em abrir empresas em paraísos fiscais, e duas "companhias de prateleira", que não têm atividade, nas Ilhas Virgens Britânicas.

Marinho é acusado de ter usado uma dessas empresas para receber propina da Alstom em uma conta na Suíça, o que ele nega (leia texto abaixo). A conta foi bloqueada pelas autoridades suíças por suspeitas de se tratar de dinheiro de suborno. Em julho do ano passado, seu saldo era de US$ 3 milhões.

Editoria de Arte/Folhapress

A Justiça decide nos próximos dias se Marinho será afastado do cargo, como querem promotores que o investigam. Nos paraísos fiscais é comum a criação de firmas que só existem no papel, e podem ser abertas por US$ 2.000.

Registros das Ilhas Virgens mostram que a Higgins Finance, cujo controle é atribuído a Marinho, foi criada em 2 de janeiro de 1998. O documento de criação da empresa aponta como representante o escritório Mossack Fonseca, do Panamá.

PROCURAÇÃO

O nome de Marinho aparece em um papel emitido dois meses depois. Ele recebeu procuração para administrar a Higgins, segundo documento obtido por autoridades suíças. A procuração foi assinada no Panamá por representante da Whitehall Limited, em 10 de março de 1998.

A data coincide com o dia em que Marinho abriu conta no Credit Lyonnais, na Suíça. Segundo promotores, foi por meio dessa conta que Marinho teria recebido suborno para ajudar a Alstom a conseguir contrato sem licitação com a Eletropaulo e a Empresa Paulista de Transmissão de Energia em 1998, no governo de Mário Covas (PSDB). Marinho havia sido o principal secretário do governador antes de ir para o TCE.

Segundo a procuração, a Whitehall era diretora da Higgins à época. Nas Ilhas Virgens Britânicas, diferentemente do que ocorre no Brasil, empresas podem ser diretoras de outras firmas.

Entre os papéis enviados pela Suíça ao Ministério Público Federal brasileiro ainda estão o passaporte de Marinho e cartão de assinatura da abertura da conta suíça. Marinho recebeu um repasse de propina uma semana depois da abertura da conta, segundo autoridades que investigam o caso.

Papéis mostram que a empresa MCA Uruguay, do consultor Romeu Pinto Júnior, transferiu U$ 146 mil para a conta na Suíça no dia 17 de março de 1998. O consultor já admitiu que recebeu dinheiro da Alstom para pagar comissões, mas não revelou quem ficou com o suborno.

No mês seguinte, a Alstom conseguiu, sem licitação, um contrato de R$ 181 milhões (valor atualizado) para vender equipamentos elétricos para a Eletropaulo e a EPTE. Ainda em 1998, a conta suíça recebeu R$ 326 mil, de Sabino Indelicato, que também é apontado como intermediador de propinas da Alstom.

OUTRO LADO

O advogado de Robson Marinho, Celso Vilardi, diz que não comenta as acusações contra o seu cliente porque elas são feitas a partir de provas que foram consideradas ilícitas pela Justiça suíça.

A Suíça investigou a Alstom porque a multinacional francesa abriu dezenas de contas secretas em um banco de lá para pagar propina ao redor do mundo. No curso da investigação, a Justiça apontou que promotores violaram leis, e algumas das provas foram anuladas.

Mesmo assim, a Alstom pagou cerca de US$ 42 milhões em 2011 num acordo que encerrou as investigações. Marinho já afirmou em diversas ocasiões que não tem conta no exterior nem recebeu propina da Alstom.

O conselheiro também disse que o contrato que teria originado o suborno não foi analisado pelo Tribunal de Contas, mas só uma extensão de garantia das subestações.

A Alstom afirma em nota que "lamenta que o alegado conteúdo de investigações sobre supostas condutas ocorridas no passado, que por obrigação legal deveriam ser tratadas de forma sigilosa, venham a ser utilizadas de forma reiterada e desproporcional nos dias de hoje com o intuito de prejudicar uma empresa que cumpre com todas as suas obrigações legais".

O escritório Mossack Fonseca, do Panamá, diz que não patrocina negócios ilícitos, mas ressalta não ter responsabilidade pela atividade das empresas que registra.


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