Folha de S. Paulo


Em favela, jogo divide ativistas e moradores em duas torcidas

A Copa dos anti-Copa na favela do Moinho, na região central de São Paulo, reuniu ativistas torcendo para a Croácia e moradores vibrando com o Neymar.

Isto aqui não é uma festa, é um evento político que questiona o futebol elitista, realizado em uma comunidade de resistência, a última favela do centro, anunciava a arquiteta Larissa Viana, 30, do Comitê Popular da Copa.

O grupo montou vários jogos temáticos em volta do centro comunitário da favela.

No Cala Boca Galvão, a meta era acertar a bolinha na boca do locutor Galvão Bueno; no Tiro ao alvo nas empreiteiras da Copa, o objetivo era acertar na Odebrecht, Camargo Correa e Andrade Gutierrez; e o Tomba Fifa era um jogo de boliche com as figuras de Joseph Blatter, presidente da Fifa, José Maria Marin, chefe da CBF, e outros.

Apu Gomes/Folhapress
Moradores da favela do Moinho comemoram vitória do Brasil contra a Croácia
Moradores da favela do Moinho comemoram vitória do Brasil contra a Croácia

Desses daí, só conheço o Ronaldo e a Fifa, dizia Renato dos Santos Silva, 12, enquanto mirava no Marin.

O ponto alto era o Desce o cacete no Ronaldo, em que as crianças malharam o Judas com um boneco representando o ex-jogador. Ele é que disse tem que baixar o cacete nos vândalos dos protestos, explicava uma ativista.

Vocês estão dando camisa do Brasil?, perguntava a moradora Sandra F.. Onde é que vocês estão dando camiseta do Brasil?, repetia.

A ideia inicial era ignorar completamente o jogo Brasil x Croácia, mas os ativistas tiveram que contemporizar.

Nós entendemos, a galera da comunidade quer ver o jogo. É a contradição que a gente vive, disse a atriz Natalia Siufi, 26.

No andar de cima do centro comunitário, havia telão, cadeiras de plástico, cerveja, churrasquinho e a indefectível narração de Galvão Bueno. Embaixo, forró, projeção de imagens de protestos e ativistas ignorando a partida.

A cada lance da Croácia, os ativistas comemoravam: Vai Croácia! Vai Dimitri! Nos gols do Brasil, ficavam impassíveis. Quando invalidaram o gol da Croácia por falta no ataque, ouviu-se um Juiz ladrão! Copa comprada!.

No gol da Croácia, enquanto os ativistas comemoravam, os moradores xingavam.

Se o Brasil ganhar, ganha a propaganda nacionalista. Mas eu acho que o Brasil vai ganhar, porque a Copa está comprada; afinal, a reeleição da Dilma está no pé do Neymar, disse Natália.

Danilo Mekari, 25 anos, jornalista, veio com a camisa da Croácia. Uma derrota do Brasil seria um alerta contra a especulação dos megaeventos, dizia ele, que milita pela legalização das drogas.

No hot dog da Marcia, o que mais saía era o Velho Barreiro e a Pirassununga, a R$ 2 a dose. O jardineiro Ivanildo da Silva, 56, ia fugir da bagunça e assistir ao jogo em casa. Acaba de comprar uma TV de 42 polegadas (R$ 1.800, em quatro vezes). É a terceira casa dele –as duas primeiras foram destruídas em incêndios.

Eu sou contra os gastos da Copa, mas quero assistir ao jogo na tranquilidade, disse. Mas gosto dos ativistas, eles sempre vêm aqui.

A presença era eclética: entidades contra chacina, pela libertação da Palestina, Movimento Passe Livre, entre outros. Mas tinha também turista que foi só para socializar.

Vim aqui com amigos, não sou do movimento; mas não dou entrevista para jornal brasileiro, dizia uma moça vestindo uma calça de lycra com estampa de oncinha e maquiagem pesada.


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