Folha de S. Paulo


Movimentos fazem 'Copa do Povo' em acampamento do MTST

Não houve Copa no acampamento Copa do Povo do MTST. Ou melhor, não houve Copa do Mundo.

O que houve algumas horas antes foi um campeonato em que integrantes da ocupação atuaram por seleções que homenageavam categorias que ganharam notoriedade em mobilizações recentes pelo país: metroviários, garis, rodoviários, estudantes, professores e operários do estádio.

Quando a bola começou a rolar no Itaquerão, que fica a 3 km do acampamento, a única televisão do Copa do Povo, que tem 4,8 mil famílias cadastradas e cerca de mil famílias morando, estava desligada, por decisão da liderança do movimento.

Guilherme Boulos, que coordena o MTST, explicou os motivos: se a gente montasse um palco o pessoal ia achar que a gente se rendeu à Copa, e não foi bem isso. Fizemos um acordo com o governo no qual nos comprometemos em não inviabilizar frontalmente o evento esportivo.

Boulos, que foi recebido pessoalmente pela presidente Dilma Roussef, se referia a negociação na qual o governo federal garantiu construir 2 mil casas no terreno ocupado pelo MTST há um mês. O desfecho foi considerado uma vitória do movimento.

Se o Brasil ganhar ou perder, o que muda? Nossa luta não é contra outros países, afirmou Bruno Rodrigues da Silva, 24, perueiro.
Quando a Croácia fez o primeiro gol, um alto falante reproduzia alguns raps do falecido Sabotage. Umas poucas mulheres dançavam, e as crianças batiam bola.

À exceção de algumas cozinhas comunitárias e o pátio central do acampamento, não há energia elétrica na ocupação (chuveiros elétricos em funcionamento, há apenas dois). Por isso, quem quis assistir Brasil X
Croácia foi aos botecos nas imediações ou mesmo na entrada do estádio, onde havia um telão.

De fato, o acampamento estava esvaziado durante o jogo. Para o camelô Moisés da Silva Oliveira, 38, a hora do jogo é um momento sagrado em que você esquece religião e política, um momento 100% brasileiro.

Todo mundo ama futebol e pelada, acrescentou o tapeceiro Maikel Wagner, 22. Menos os mentes fechadas, mas estes são minoria no acampamento, acrescentou.

Algumas horas antes, pela manhã, ao som de um funk cujo refrão dizia Família inconformada com aumento de aluguel/ Morar em favela isso é cruel/ Pai de família nem sabe o que faz/Se paga aluguel ou se dá de comer/ Não temos nada contra a Copa do Mundo/ Mas viver no Brasil sem moradia é um absurdo, teve início a primeira fase do campeonato da Copa do Povo.

O Brasil não está satisfeito com o mando da FIFA e a exclusão dos trabalhadores da periferia, anunciou Josué Augusto do Amaral Rocha, 25, graduado em medicina pela Unicamp, e coordenador geral do acampamento do MTST. Em seguida, pediu para que se ateasse fogo em um boneco feito de espuma ornado com figurinhas adesivas do álbum de jogadores da Copa.

Josué apresentava cada uma das seleções mencionando as conquistas das categorias e aos gritos de Fora FIFA. Duas seleções de mulheres, e uma de ronaldetes com homens usando vestimentas femininas, em uma crítica bem-humorada às declarações do ex-camisa 9 da seleção sobre a Copa, também jogaram.

Guilherme Boulos entrou em campo na seleção dos coordenadores, e mostrou ser melhor em política. A final do campeonato da Copa do Povo ocorrerá no mesmo dia da final no Maracanã.


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