Folha de S. Paulo


Mundial high-tech desperdiçou chance de reaproximar Coreias em 2002

Às portas da Copa de 2002, a única em dois países (Coreia do Sul e Japão), a anfitriã da abertura estava pronta, e um bocado angustiada.

Pronta porque a Coreia tinha erguido dez estádios novos, alguns deles lindos, e isso economizando adjetivo, como convém ao jornalismo.

Pronta porque Incheon, o maior aeroporto de lá, fora inaugurado havia mais de um ano e de tão azeitado logo ganharia oito vezes seguidas o título de melhor do mundo.

Pronta porque, cinco anos antes de Steve Jobs apresentar o iPhone, já se viam ali humanos caminhando de cabeça baixa e olho na tela brilhante. A Coreia oferecia conexão de banda larga em telefone público, 12 anos atrás.

Mas havia a angústia, e ela nada tinha a ver com concreto, terminais ou fibra óptica.

Estava relacionada a gente muito parecida com os sul-coreanos, que vivia acima do paralelo 38, em território separado desde os anos 1950 por um conflito da Guerra Fria.

Um desfile conjunto na abertura da Olimpíada de Sydney, em 2000, entrara para a história como símbolo da reaproximação entre norte e sul-coreanos. A Copa, dois anos depois, era oportunidade óbvia. Havia até planos de jogos no norte.

Só que veio o 11 de Setembro de 2001. Vieram George W. Bush e seu discurso no início daquele 2002 sobre o "eixo do mal": Irã, Iraque e...Coreia do Norte. Vieram convites para a Copa jamais respondidos pelos norte-coreanos.

Noh Soon-taek - 22.jun.2002/Reuters
Copa do Mundo, 2002: multidão de sul-coreanos assiste em Seul à vitória contra a Espanha por 5x3
Copa do Mundo, 2002: multidão de sul-coreanos assiste em Seul a vitória contra a Espanha por 5x3

A Coreia do Sul usava o Mundial para se mostrar mais high-tech que o outro anfitrião, o Japão, mas aquele "do Sul" pesava, e como. A tensão com o norte, somada ao 11 de Setembro, catalisava a paranoia do país com segurança.

Uma central sindical prometia greves homéricas -no fim, e com mão dura, o governo contornou o problema.

Os coreanos quebravam a cabeça para diminuir o vazio dos estádios porque a falta de turistas já se desenhava (mas os poucos que chegavam eram muito bem recebidos; crianças cercavam ocidentais no metrô para testar o inglês).

Se faltava gente de fora do país, sobraria gente para fora de casa. O orgulho nacional visível no pré-Copa se materializaria em multidões sentadas nas ruas e calçadas para torcer pela seleção.

ROBERTO DIAS, secretário-assistente de Redação, cobriu a Copa de 2002.


Endereço da página: