Folha de S. Paulo


Coronel Paulo Malhães, que assumiu torturas, é encontrado morto no Rio

O tenente-coronel reformado Paulo Malhães, 76, ex-agente do Centro de Informações do Exército, foi encontrado morto nesta sexta-feira (25) em sua casa, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Segundo a polícia, ele foi assassinado por asfixia na quinta-feira.

De acordo com Nadine Borges, membro da Comissão Estadual da Verdade do Rio que conversou com uma das filhas do militar, a casa de Malhães foi invadida por três homens. O coronel morava com a família na zona rural de Nova Iguaçu.

Segundo o relato, a mulher do coronel foi amarrada e ele, morto por asfixia. Todas as armas do militar foram roubadas. "A polícia tem que investigar a fundo esse crime. Tudo indica que é uma queima de arquivo", disse Borges.

O presidente da Comissão Estadual da Verdade do Rio, Wadih Damous, também segue a mesma linha de Borges de que a morte do coronel tenha sido "queima de arquivo".

"Ele foi um agente importante da repressão politica na época da ditadura e era detentor de muitas informações sobre fatos que ocorreram nos bastidores naquela época. É preciso que seja aberta com urgência uma investigação na área federal para apurar os fatos ocorridos no dia de hoje. A investigação da morte do coronel Paulo Malhães precisa ser feita com muito rigor porque tudo a leva a crer que ele foi assassinado", disse Damous.

DEPOIMENTO

Malhães prestou, há cerca de um mês, um dos depoimentos mais fortes à Comissão Nacional da Verdade, no qual reconheceu envolvimento em torturas, mortes e ocultação de corpos de vítimas da ditadura militar (1964-1985).

Malhães disse não se arrepender de nada e narrou como funcionava a chamada Casa da Morte, em Petrópolis (RJ), centro de torturas clandestino onde teriam sido assassinadas cerca de 20 pessoas.

O depoimento de Malhães chocou familiares de vítimas da ditadura. Ele detalhou como os corpos eram lançados no rio e dilacerados para evitar a identificação.

"Naquela época, não existia DNA. Quando você vai se desfazer de um corpo, quais partes podem determinar quem é a pessoa? Arcada dentária e digitais", disse. "Quebrava os dentes. As mãos, [cortava] daqui para cima", explicou, apontando as próprias falanges.

OUTRO CASO

Em novembro de 2012, o coronel reformado do Exército Júlio Miguel Molinas Dias foi morto quando entrava em casa, em um bairro da zona norte da capital gaúcha. De acordo com a Polícia Civil, o coronel foi morto em uma tentativa frustrada de roubo das armas que mantinha em sua casa.

Na época, a polícia disse não havia relação entre a morte do coronel e sua atuação durante o ditadura militar. Um mês após o crime, a polícia prendeu quatro suspeitos –três homens e uma mulher.

Molinas Dias comandou o DOI-Codi –braço repressor do regime militar– no Rio de Janeiro na época do episódio Riocentro, nos anos 1980. Ele mantinha um acervo de documentos da época da ditadura em casa.

Entre os documentos que eram mantidos por Molinas Dias havia um termo do Exército que confirmava a apreensão de objetos pessoais do ex-deputado federal Rubens Paiva no DOI-Codi, além de relatos sobre o atentado do Riocentro de 1981.O termo é a primeira prova documental de que Paiva esteve nas dependências do DOI-Codi antes de seu desaparecimento, em 1971.

Rubens Paiva morreu após ser barbaramente torturado por militares, no Rio de Janeiro. Seu corpo nunca foi encontrado.

Em novembro do ano passado, o depoimento de um coronel que atuou na ditadura militar (1964-85) corroborou com a versão de que Exército montou uma farsa para justificar o desaparecimento de Rubens Paiva.

O coronel reformado Raymundo Ronaldo Campos admitiu à Comissão Estadual da Verdade do Rio ter participado de "teatro montado". Seu depoimento reafirma informações difundidas nas últimas décadas por testemunhas, historiadores e ex-presos políticos.

A versão oficial das Forças Armadas, sustentada ainda nos dias de hoje, é de que Paiva desapareceu após ser resgatado por guerrilheiros. O carro que o escoltava foi cercado por dois outros veículos, ocupados por guerrilheiros, que abriram fogo. No meio do tiroteio, diz a versão oficial, o ex-deputado teria saído do banco de trás e desaparecido.

Marco Antônio Martins/Folhapress
Cristina Batista Malhaes, viúva de Paulo Malhaes em depoimento na Delegacia de Homicídios
Cristina Batista Malhaes, viúva de Paulo Malhaes em depoimento na Delegacia de Homicídios

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