Folha de S. Paulo


Pedido de quebra de sigilo no Planalto foi baseado em depoimentos informais

A promotora do Distrito Federal Márcia Milhomens Corrêa enviou à Justiça um documento alegando que depoimentos prestados em "caráter informal" ao Ministério Público serviram de base para seu pedido de quebra de sigilo de celulares do Palácio do Planalto.

O pedido de quebra foi feito dentro de uma investigação que apura se o ex-ministro José Dirceu, preso devido ao processo do mensalão, usou um celular no complexo penitenciário da Papuda, em Brasília.

Sem dar maiores detalhes sobre os depoimentos em "caráter informal", a promotora disse que os "detentores das informações" haviam se recusado a divulgar seus nomes ou que suas declarações fossem registradas.

Editoria de arte/Folhapress

"A medida [de quebra] objetiva apurar denúncias trazidas ao Ministério Público, em caráter informal, de que o sentenciado José Dirceu teria estabelecido contato telefônico (...) Ressalte-se que os detentores das informações recusaram-se, peremptoriamente, a prestar depoimento formal e a divulgar sua identificação", diz trecho do documento.

O material foi enviado pela promotora à Justiça após o advogado José Luis Oliveira Lima, que representa Dirceu, encaminhar uma petição ao STF (Supremo Tribunal Federal) mostrando que a quebra de sigilo proposta por Milhomens para apurar se o ex-ministro usou um celular alcançaria não só o presídio da Papuda, mas também o Palácio do Planalto.

Além disso, a Folha revelou que o pedido, da maneira que foi apresentado inicialmente, quebraria o sigilo de dados de celulares que operaram em toda a região da chamada Praça dos Três Poderes, englobando o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o STF.

No novo documento, a promotora alega que buscava identificar especificamente as ligações feitas por celulares que estavam na região da Papuda para aparelhos localizados no Palácio do Planalto entre o dia 1º e 16 de janeiro.

Além disso, alegou que não havia pedido a quebra de sigilo telefônico, uma vez que não queria o conteúdo das ligações, mas somente o registro de "dados telefônicos".

A nova informação contrasta com a apresentada em seu pedido inicial. No documento original, ela requisitava que operadoras de telefone informassem as "chamadas efetuadas/recebidas" por meio de antenas de celulares que operavam em duas coordenadas geográficas: uma relativa ao Palácio do Planalto e outra à Papuda.

Como as antenas de telefonia que operam na região do Palácio também são usadas por celulares que estão na área da Praça dos Três Poderes, a identificação das chamadas, tal como requisitada no pedido original, seria ampla e indiscriminada.

Devido a isso, foi criticada pela AGU (Advocacia-Geral da União), que pediu ao Conselho Nacional do Ministério Público uma investigação sobre a conduta da promotora.

Em seu novo pedido, Milhomens, além de dizer que quer saber especificamente das ligações feitas de celulares da Papuda para celulares do Palácio do Planalto, disse também que quer a lista de ligações do presídio para a Bahia.

Isso porque, conforme a Folha publicou em janeiro, Dirceu teria falado ao telefone com o secretário de Estado da Bahia James Correia. Os advogados do ex-ministro negam a ligação.

Por fim, a promotora disse que os dados por ela solicitados "são indispensáveis" para que a Justiça possa homologar a decisão do sistema prisional, que administrativamente arquivou o inquérito sobre o uso de celular por Dirceu por entender que não era possível provar se realmente existiu uma ligação.

DEFESA

Rodrigo Dall'Aqcua, um dos advogados que atua na defesa de Dirceu, divulgou uma nota na noite desta quarta-feira (23) dizendo que o pedido de quebra de sigilo foi ilegal e que a promotora tenta justificar "sua ilegalidade" com uma "denúncia anônima informal".

"Essa assustadora denúncia fantasma consegue a proeza de agregar os vícios do anonimato com a inconsistência da informalidade (...). Pedir uma quebra de sigilo com base nessa leviandade é um atentado ao Estado democrático de Direito".

O advogado ainda destacou que a promotora teria mantido tal informação oculta da Justiça e que ela só veio à tona após o início de uma investigação sobre sua atuação pelo Conselho Nacional do Ministério Público.

"Curiosamente, esta denuncia invisível era mantida oculta pela promotora, que nunca mencionou sua existência [à Justiça]", diz. "Só veio a aparecer depois que o Conselho Nacional do Ministério Público afirmou que iria investigar o pedido de quebra de sigilo do Planalto. Inevitavelmente surgirá a duvida: esta denuncia fantasma existia mesmo ou foi criada para que a promotora se defenda perante o CNMP?".


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