Folha de S. Paulo


PF intima coronel a falar sobre ocultação de corpos na ditadura

A Polícia Federal intimou ontem o coronel reformado Paulo Malhães, 76, a prestar depoimento à Comissão Nacional da Verdade sobre a ocultação dos restos mortais de vítimas da ditadura.

O oficial, que diz ter dado uma "solução final" à ossada do ex-deputado Rubens Paiva, agora afirma que corpos de vítimas da Casa da Morte de Petrópolis (RJ) tinham os corpos mutilados e jogados em um rio.

A casa foi mantida clandestinamente pelo Exército como local de tortura e morte de um número estimado em até 24 presos políticos.

Em depoimento à Comissão da Verdade do Rio, reproduzido ontem pelo jornal "O Globo", Malhães disse que os corpos tinham as barrigas cortadas e eram arremessados em sacos com pedras, para que não flutuassem.

Juliana Dal Piva - 07.dez.2012/Folhapress
Manifestantes em frente à Casa da Morte de Petrópolis, na região serrana do Rio
Manifestantes em frente à Casa da Morte de Petrópolis, na região serrana do Rio

Antes disso, os militares arrancavam as arcadas dentárias e os dedos das mãos para evitar que as vítimas fossem identificadas, de acordo com o relato do coronel.

"Jamais se enterra um cara que você matou. Se matar um cara, não enterro. Há outra solução para mandar ele embora. Se jogar no rio, por exemplo, corre", disse.

"Como ali, saindo de Petrópolis, onde tem uma porção de pontes, perto de Itaipava. Não com muita pedra. O peso [do saco] tem que ser proporcional ao peso do adversário, para que ele não afunde, nem suba", afirmou.

Malhães descreveu a técnica para ocultar corpos como um "estudo de anatomia". "Todo mundo que mergulha na água, fica na água, quando morre tende a subir. Incha e enche de gás", disse.

"Então, de qualquer maneira, você tem que abrir a barriga, quer queira, quer não. É o primeiro princípio. Depois, o resto, é mais fácil. Vai inteiro. Eu gosto de decapitar, mas é bandido aqui", disse, referindo-se à Baixada Fluminense, onde mora.

LOCALOZAÇÃO

O coronel disse duvidar que os restos mortais das vítimas sejam encontrados. "Não acredito que, em sã consciência, alguém ainda pense em achar um corpo", afirmou.

Ele acrescentou que a cúpula do Ministério do Exército tinha conhecimento do que acontecia em Petrópolis.

Nos anos 90, o ex-sargento Marival Chaves, que também atuou na região serrana do Rio, deu outra versão. Ele disse que os corpos de vítimas da Casa da Morte eram esquartejados e enterrados aos pedaços.

O coronel reformado Paulo Malhães deverá ser ouvido na próxima terça pela Comissão Nacional da Verdade.

O coordenador do órgão, Pedro Dallari, disse que seu relato mostra que o desaparecimento de presos foi uma política de Estado na ditadura militar.

"É uma barbárie. Não tenho a menor dúvida de que esses atos aconteciam com o conhecimento e o aval da cúpula do regime", disse.
Ainda segundo Dallari, "isso afasta a versão, sempre repetida por militares, de que as violações de direitos humanos decorriam de excessos de alguns agentes".

Esses homens agiam com respaldo institucional", afirmou o coordenador.

*

O CASO RUBENS PAIVA

QUEM ERA Nascido em 1929, Rubens Beyrodt Paiva era engenheiro. Foi eleito deputado em 1962. Após o golpe, foi cassado e se exilou na Europa. Em 1965, voltou ao Brasil e mudou-se para o Rio, de onde manteve contato com exilados

A PRISÃO Em 20 de janeiro de 1971, duas mulheres foram presas com cartas de exilados que seriam entregues a Paiva. Ele foi preso à tarde, em casa, por agentes da Aeronáutica e levado a quartel no aeroporto Santos Dumont. À noite, foi levado ao DOI-Codi, na Tijuca

A MORTE Segundo a Comissão da Verdade, ele foi morto após sessões de tortura no DOI-Codi. Exército sustenta que ele não morreu no local

Reprodução
O deputado Rubens Paiva durante CPI na Câmara, em 1963
O deputado Rubens Paiva durante CPI na Câmara, em 1963

Endereço da página: