Folha de S. Paulo


Documentos revelam que cartel dos trens também atuou na área federal

Investigações conduzidas pelo governo federal encontraram indícios de que empresas acusadas de formar um cartel para fraudar licitações de trens em São Paulo e Brasília também praticaram irregularidades em concorrências de duas estatais controladas pelo governo federal.

Documentos obtidos em julho do ano passado pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) sugerem que houve conluio em licitações da CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbano), para o metrô de Belo Horizonte, e da Trensurb, de Porto Alegre, ambas em 2012.

As duas empresas são vinculadas ao Ministério das Cidades, que é controlado pelo PP, um dos sócios da coalizão partidária que sustenta o governo Dilma Rousseff (PT). As investigações do Cade tiveram início no ano passado, quando a multinacional alemã Siemens procurou o Cade para admitir sua participação no cartel e denunciar suas concorrentes, como a Folha revelou em julho.

Estão sob investigação 18 empresas, incluindo a francesa Alstom, a espanhola CAF, a japonesa Mitsui e a canadense Bombardier. O Cade e a Polícia Federal recolheram documentos e computadores nos escritórios dessas empresas no ano passado.

Editoria de Arte/Folhapress

As investigações estavam concentradas até agora em contratos de empresas administradas pelo governo de São Paulo, que é controlado pelo PSDB desde 1995. Como o partido faz oposição a Dilma, os tucanos acusaram o Cade de dirigir as investigações com motivação política.

O caso criou grande embaraço para o governador Geraldo Alckmin (PSDB), que estava à frente do Estado quando alguns dos contratos sob suspeita foram assinados e neste ano concorrerá à reeleição. Ex-dirigentes de estatais paulistas são acusados de receber propina para facilitar os negócios do cartel.

Com a ampliação do caso, as investigações poderão criar problemas também para o governo federal. Os indícios de que o cartel também atuou em Porto Alegre e Belo Horizonte serão apresentados pelo Cade num relatório que será divulgado na semana que vem, quando o órgão deve instaurar processo administrativo contra as empresas do cartel dos trens.

O assunto foi discutido na última terça-feira em São Paulo, numa reunião de integrantes do Cade com representantes do Ministério Público que também participam das investigações do caso.

As licitações realizadas pelo governo federal em Porto Alegre e Belo Horizonte foram vencidas por consórcios formados por duas empresas, a Alstom e a CAF. Elas não tiveram concorrentes na disputa pelos contratos. A Siemens não participou de nenhuma das duas licitações.

Em Belo Horizonte, a licitação foi para compra de dez trens, no valor de R$ 172 milhões. A Alstom ficou com 7% do contrato e a CAF com 93%. Em Porto Alegre, foram 15 composições, a um custo de R$ 243 milhões. Nesse caso a Alstom ficou com 93% do contrato e a CAF com 7%.

No ano passado, o governador Geraldo Alckmin disse que esses dois contratos deveriam ser investigados, apontando a maneira como eles foram divididos pelas duas multinacionais como indício de que houve a prática de cartel nas licitações.

OUTRO LADO

A Alstom nega que tenha participado de cartel com outras empresas nas vendas de trens para o governo federal. Em nota, a empresa diz que "os contratos para Belo Horizonte e Porto Alegre foram objetos de licitação pública, onde foram respeitados os marcos legais aplicáveis".

Segundo a multinacional francesa, "outras empresas tiveram a mesma oportunidade de apresentação de propostas". De acordo com a Alstom, o consórcio formado com a empresa espanhola CAF "é permitido pela legislação vigente, de acordo com a capacidade produtiva de cada empresa".

Prossegue a nota: "A empresa reforça que segue um rígido código de ética, definido e implementado por meio de sérios procedimentos, de maneira a respeitar todas as leis e regulamentações e aplica um processo interno para prevenir infrações no cumprimento de regras pelo grupo".

A assessoria da CAF não respondeu aos pedidos de explicação da reportagem. Em nota enviada por sua assessoria de imprensa, a Trensurb diz que os gestores da companhia federal de trens desconhecem a prática de ilegalidades pelas empresas que formaram o consórcio vencedor da licitação.

Indagada quanto às investigações conduzidas pelas autoridades federais, a estatal de trens afirma que não tomou conhecimento sobre as apurações, e por isso não iria se pronunciar. A CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos) não se manifestou até a conclusão desta edição.


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