Folha de S. Paulo


Questões de Ordem: Desabafos e rugidos

Este é apenas "o primeiro passo", disse o presidente do STF, Joaquim Barbosa, ao ver o resultado da votação sobre crime de quadrilha, na sessão de ontem do tribunal.

Com "argumentos pífios", disse ele, seis ministros (Barroso, Teori, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Toffoli e Lewandowski) "jogaram por terra o trabalho primoroso levado por esta corte". Formou-se uma "maioria de circunstância", que terá "o tempo a seu favor" para prosseguir na "sanha" de reformar as condenações do mensalão.

Os colegas ouviam em silêncio. Com vários argumentos, consideraram que José Dirceu, Delúbio, Genoino, banqueiros e empresários tinham apenas cometido crimes em conjunto, ocasionalmente.

Isso envolve organização, claro. Mas nem por isso eles poderiam ser acusados do crime de formar um "bando" estável, que primeiro se associa com desígnios desonestos, e depois, sempre que possível, leva uma vida de crimes.

Certa ou errada essa interpretação, importava definir o que se entende por "quadrilha". A questão de conteúdo, entretanto, foi mais uma vez posta provisoriamente de lado pelo ministro Teori Zavascki, o primeiro a votar.

Ele seguiu a linha adotada na véspera por Luís Roberto Barroso. Antes de absolver ou condenar os réus pelo crime de quadrilha, importava saber se esse crime já não estaria prescrito.

A pena para quadrilha em geral é baixa; como o julgamento demorou muito para acontecer, estaria já "extinta a punibilidade" dos acusados. O Estado já não tem direito de perguntar se eles são culpados ou não.

O raciocínio faria sentido se, no caso dos mensaleiros, a pena por quadrilha tivesse sido realmente pequena. Mas não foi. Em 2012, o plenário carregou na dose, chegando perto da pena máxima.

Sem dúvida, fez isso para evitar que acontecesse a prescrição. Foi arbitrário? Celso de Mello e Gilmar Mendes repetiram que não. A pena tinha de ser elevadíssima, dadas as dimensões do esquema.

Se aquilo era "quadrilha", era bem pior do que um grupo de punguistas que se forma para bater carteira numa estação rodoviária... O exemplo foi citado por Gilmar Mendes, num voto memorável.

E, se a pena foi aumentada para evitar a prescrição, o raciocínio inverso também vale. Pode-se dizer que Barroso e Teori quiseram diminuir a pena exatamente para que o crime prescrevesse.

O problema é que, para isso, teriam de modificar a dosimetria vitoriosa no tribunal –numa decisão da qual não participaram. E, mesmo se eles já estivessem votando naquela fase do debate, não poderiam opinar sobre as penas –porque só quem condenou um réu pode dizer quantos anos esse réu deve cumprir.

Teori e Barroso quiseram duas coisas ao mesmo tempo: absolver os réus, por achar que sua associação não constituía quadrilha, e também diminuir a sua pena, para que o crime prescrevesse. O nó era complexo: equivalia a diminuir a pena de quem será absolvido.

Marco Aurélio Mello foi mais coerente: defendeu a diminuição das penas, salvando os réus. Mas continuou achando que aquilo era quadrilha. Tanto era, argumentou, que dos trinta e tantos envolvidos no processo apenas oito responderam por essa acusação.

Muitos foram simples "coautores" da tramoia. Mas os oito principais não se juntavam apenas para combinar detalhes de um ou outro crime específico. Estavam numa espécie de "reunião permanente", para o que desse e viesse.

Por certo, não tinham armas, tatuagens ou chapéus de cangaceiro, perturbando diretamente a "paz pública". Mas associar o crime de quadrilha a tais "estereótipos", disse Gilmar Mendes, não vem ao caso. Minar a confiança na democracia é o maior ataque à paz pública.

Não seria isso um exagero? Passava-se do sentido literal ao metafórico. Gilmar lembrou, em todo caso, que posse de armas é só um agravante do crime de quadrilha, mas não o define. Quadrilheiros não precisam ser assustadores a olho nu.

Estabeleceu-se, rugia Joaquim Barbosa, um "determinismo social". Quadrilha, a partir da decisão de ontem, passaria a ser crime de pobre, definido até por "critérios antropológicos". Raciais?

Com alguma incoerência, Celso de Mello acrescentou que agora já existe o crime de "organização criminosa", e que, se os mensaleiros tivessem cometido seus crimes hoje em dia, valeria enquadrá-los nesse novo tipo penal.

Mas isso não seria evidência de que o velho modelo da "quadrilha" deve aplicar-se melhor a outros casos, que não o dos mensaleiros? Algo no raciocínio não se fechava –mas, àquela altura, só havia espaço para o desabafo.


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