Folha de S. Paulo


Dom Orani é um 'comunicador antenado', diz teólogo

O novo cardeal da Igreja Católica, o brasileiro dom Orani João Tempesta, arcebispo do Rio, é um "comunicador antenado" que gosta de "subir morro com bandido ou sem bandido".

A definição foi dada pelo teólogo Fernando Altemeyer Junior, professor da PUC de São Paulo. Tempesta foi criado cardeal pelo papa Francisco no dia 12 de janeiro.

Veja a trajetória de dom Orani Tempesta
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Em entrevista a Folha, Altemeyer disse também que a escolha de dom Orani e de outros cardeais não europeus mostra uma tendência do papado de Francisco. "Como ele veio do fim do mundo, ele vai levar gente do fim do mundo".

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Leia a entrevista com Fernando Altemeyer Junior

Folha - Qual o poder de um cardeal hoje?
Fernando Altemeyer Junior - Primeiro tem uma referência simbólica de ser o responsável por uma igreja de Roma. Por isso ele chama cardeal, ele está nos pontos cardeais de Roma para ajudar o bispo de Roma [o papa] a governar, foi assim que nasceu isso. Isso é símbolo, mas é real. O dom Orani vai ganhar no sábado o título de uma das igrejas e vai virar o mandachuva daquela igreja, embora nunca vá lá. Ele só reza uma missa quando vai a Roma.
Do ponto de vista institucional, o cardeal é um dos participantes do Conclave e do consistórios, que são reuniões dos cardeais com o Papa vivo para tratar de temas. E em terceiro lugar, em geral o Papa designa o cardeal para participar ao menos uma das prefeituras ou dicastéreos romanos, as organizações que cuidam da igreja mundial. Alguns ficam lá em Roma, viram prefeito, ficam sem diocese. E outros, como o dom Orani, que já é arcebispo de uma diocese gigante, vai de vez quando para lá para participar de uma das comissões a que foi nomeado.

Os novos cardeais já devem ser indicados para essas comissões?
Todos esses 16 novos cardeais, é possível que o Francisco já designe para cada um deles ser colocados nas comissões. Talvez coloque dom Orani, e isso é um chute meu, naquele setor dos leigos que cuide dos jovens, porque ele organizou a Jornada [Mundial da Juventude].

A lista de novos cardeais tem muitos não europeus. Isso é uma tendência do papa Francisco?
Certamente. Ano que vem, quando ele fizer isso de novo, porque vai precisar trocar mais uns 15 cardeais que vão aposentar, ele vai colocar de novo outros 15 de todos os cantos do mundo e reduzir o tamanho da Europa, porque é desproporcional. Não é mais a geopolítica do catolicismo, o catolicismo não está mais na Europa com o peso que ela tem no colégio cardinalício, então o papa Francisco precisa reagrupar isso. Como ele veio do fim do mundo, ele vai levar gente do fim do mundo. Por exemplo, da Costa do Marfim, um bispo negro que foi feito cardeal e que esteve aqui em São Paulo visitando moradores de rua. O Jean-Pierre Kutwa não é da capital marfinense, isso já é um sinal.

Como o senhor definiria Dom Orani?
É um comunicador, muito antenado. Usa redes sociais, televisão, Facebook... É um grande comunicador desde que era monge, antes de ser bispo. Fez um trabalho de comunicação importante quando esteve no Pará. E no Rio de Janeiro ele gosta de subir o morro, encontrar as pessoas. Sobe mesmo onde não há UPP, com bandido ou sem bandido, ele vai lá. Acho que isso define muito bem o que é ele, um grande comunicador, interessado em falar com as pessoas.

O perfil ideológico dos cardeais influencia a Igreja hoje?
Isso não, é difícil, é um calidoscópio. Todos têm um mosaico completamente diferente. Cardeal de diferentes países, Canadá, Brasil, não dá para pendurar em cabides ideológicos, são totalmente diferentes. Acho que tem mais a identidade cultural hoje em dia pesando e um pouco o tamanho da igreja que representa. Isso importa mais que a ideologia, esquerda e direita, progressista ou conservador. Se fosse isso, o Francisco nunca nem seria cardeal. Mudou um pouco esse planisfério. Eles vão influenciar de outra maneira, eventualmente somando com essa ideia do papa Francisco de ter uma igreja mais próxima, falando ao coração das pessoas.

O que será discutido no consistério?
Será quentíssimo, porque o papa Francisco vai tentar fazer uma reforma de toda a estrutura da Santa Sé e da cúria romana. E ainda vai trabalhar o tema da família, que é o próximo Sínodo, que está na porta. É aquele que o papa mandou um pedido de perguntas, 30 e tantas, para o planeta falar sobre isso. Disse que estão esperando 185 cardeais, o que significa que além dos votantes, devem ir muitos dos aposentados, com mais de 80 anos.

E sobre a família?
Deve mostrar um pouco como está sendo o feedback das consultas. Não vão debater as famílias, porque para isso terá o Sínodo ano que vêm. Devem falar sobre esse processo mais participativo, mais colegial, porque antes era tudo muito centralizado. Na minha opinião, é isso que será debatido, como as famílias e as pessoas podem participar trazendo a realidade da família atual no mundo. Uma família na Dinamarca e uma família na Nigéria são realidades muito distintas.


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