Folha de S. Paulo


Cesare Battisti cancela participação em palestra a pedido do governo federal

Alvo de críticas por ser patrocinada com verbas federais, uma palestra na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) com Cesare Battisti, condenado na Itália por terrorismo e asilado no Brasil, foi cancelada no início da tarde desta terça-feira (5).

O comitê organizador do evento informou que Battisti comunicou que não participaria do evento em e-mail e em mensagem de texto enviada na madrugada desta terça. Os organizadores informaram que uma "decisão do governo federal tomada na noite de 4 de novembro impossibilitou a vinda do escritor Cesare Battisti à UFSC". Ainda segundo a organização, Battisti receberia R$ 900 por hospedagem e transporte, e bancaria a própria alimentação.

O italiano Battisti seria o principal palestrante do evento "Quem Tem Direito ao Dizer", em Florianópolis, uma promoção do PET Letras, programa nacional gerenciado pelo Ministério da Educação. A palestra estava agendada para esta quarta-feira (5). Segundo o professor Fábio Lopes da Silva, tutor local do programa, o objetivo do encontro é "dar voz aos malditos, aos proscritos e aos excluídos".

No comunicado, ao qual a Folha teve acesso, o italiano pede desculpas pela "comunicação tardia" e declara que foi orientado a declinar do convite pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP) e pelo assessor de assuntos internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, para não violar "obrigações com as leis deste país".

Suplicy informou que telefonou para Battisti na noite desta segunda-feira (4), depois de conversar com Marco Aurélio Garcia e ouvir dele que o evento "estava ganhando conotação política e poderia prejudicar Battisti".

"Ele [Battisti] não tinha intenção de fazer observações políticas ou comentar a relação entre Brasil e Itália. Queria falar dos seus livros. Mas eu ponderei a ele para não ir", disse o senador. A assessoria de Marco Aurélio Garcia informou inicialmente que iria comentar o episódio, mas recuou e disse que ele não se manifestará. A Presidência da República também informou, via secretaria de imprensa, que não comentará.

"Repliquei com todos os detalhes que a palestra seria feita na faculdade de letras, que o objetivo era exclusivamente o meu percurso enquanto escritor. Apesar disso me foi fortemente recomendado de não ir a Florianópolis porque as consequências para mim poderiam ser graves", escreveu Battisti.

Caio Guatelli-31.ago.11/Folhapress
Cesare Battisti ministra palestra em universidade de SC
Cesare Battisti cancela palestra em universidade de Santa Catarina

A nota diz ainda que "reações organizadas à presença do palestrante, que incluíram promessas de censura e mesmo de violência física, poderiam colocar em risco a integridade do convidado e o patrimônio da universidade".

O evento foi mantido e o biógrafo de Battisti, Carlos Lungarzo, foi convidado a assumir a palestra do italiano.

PROTESTOS

Condenado à prisão perpétua na Itália por quatro assassinatos cometidos na década de 1970, Battisti nega o suposto envolvimento nos assassinatos e diz ser vítima de perseguição política.

O professor Fábio Lopes da Silva, que organizou o evento, classificou Battisti como "maldito por excelência", o que combinaria com a temática do evento. "Ele é uma figura tatuada com o emblema da exclusão", disse ele à reportagem na manhã desta terça (5), quando ainda desconhecia o e-mail de Battisti.

A participação do italiano em um evento pago com verba federal motivou protesto de um pequeno grupo de professores da UFSC. Sérgio Colle, docente de engenharia mecânica e consultor do Ministério da Ciência e Tecnologia, fez críticas públicas à universidade por considerar a palestra do italiano "uma afronta à Justiça".

"O evento é um despropósito, sobretudo uma afronta à instituição universitária brasileira", declarou.

HISTÓRICO

Battisti entrou ilegalmente no Brasil em 2004, e foi preso pela Polícia Federal no Rio de Janeiro três anos depois ---atualmente mora em São Paulo.

Em 2009 recebeu do governo brasileiro o status de refugiado político, o que abriu uma crise diplomática com a Itália. O italiano foi mantido preso até 2011, quando o STF (Supremo Tribunal Federal) validou a decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de mantê-lo no país.

No Brasil, Battisti foi condenado a dois anos de prisão por uso de passaporte falso. Mas a pena foi revertida em prestação de serviços à comunidade e pagamento de dez salários mínimos a entidades de assistência social.


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