Folha de S. Paulo


Análise: Ser remunerado acima do teto é considerado um direito para muitos

Desde 1998 a Constituição proíbe qualquer funcionário público de receber remuneração maior do que a dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). Mesmo que acumule remunerações por cargos públicos diferentes, não pode ultrapassar o chamado teto constitucional. Por que isso não é cumprido?

Os interessados em ganhar acima do teto afirmam que, se a Constituição permite acumular cargos, não se poderia deixar de receber por ambos. Alguns órgãos, porém, disfarçam a remuneração criando benefícios avulsos. O CNJ (Conselho Nacional de Justiça), ainda em 2006, foi obrigado a esclarecer o óbvio e determinar que para o Judiciário "abonos", "prêmios" e similares não podem deixar a remuneração acima do teto.

No STF, só Rosa Weber não recebe acima do teto de R$ 28 mil

Todos afirmam que sua situação é diferente, particular. E o Judiciário tem aceitado muitos desses argumentos. Mas, na verdade, o teto remuneratório iguala qualquer um em sua condição de recebedor de salário pago pelo dinheiro de todos os brasileiros. As diferenças não precisam ser eliminadas.

É perfeitamente possível acomodá-las abaixo do teto. Por exemplo, alguns ministros do TCU (Tribunal de Contas da União) recebem, além de seus vencimentos, aposentadoria em outro cargo público. É o caso clássico de vedação prevista pela regra constitucional.

Por trás de todas as interpretações "generosas" da regra do teto está a noção arraigada de ver o cargo público como chance de enriquecer e não de prestar um serviço à comunidade.

Segundo o IBGE, a remuneração nas carreiras públicas supera em 92% a da iniciativa privada. O Brasil é o país dos concursos, no qual uma parcela enorme da força de trabalho jovem passa anos de suas vidas para passar em uma prova.

Segundo estudo da FGV (Fundação Getulio Vargas), essa prova testa apenas a capacidade de passar na própria prova. No ano passado, o STF recebeu mais processos sobre servidor público do que sobre qualquer outro assunto.

No país onde o sonho da maioria é ficar rico trabalhando para o Estado, ser remunerado acima do limite constitucional é considerado um direito.

IVAR A. HARTMANN é professor da FGV Direito Rio e coordenador do projeto Supremo em Números e FERNANDO LEAL é professor da FGV Direito


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