Folha de S. Paulo


TCE do Rio considera ilegal repasse de verba pública a Marcha para Jesus e evento católico

O TCE (Tribunal de Contas do Estado) do Rio considerou ilegal o patrocínio com recursos públicos a eventos religiosos pela Prefeitura de Teresópolis. A decisão refere-se à "Marcha para Jesus", evento organizado por igrejas evangélicas em todo o país, e a um congresso de jovens realizado pela Igreja Católica.

O ex-prefeito Jorge Mário (sem partido) foi multado na semana passada pelo TCE por repassar R$ 119 mil para a realização da "Marcha para Jesus" de 2010. Ele já havia sido condenado por patrocinar, no valor de R$ 28 mil, o 22º Congresso da Juventude Católica em Teresópolis.

As decisões, tomadas a partir de análise de contratos assinados pela Prefeitura de Teresópolis, podem criar embaraços jurídicos a outros municípios do Estado que decidiram apoiar diretamente eventos religiosos.

No caso de Teresópolis, o tribunal apontou ilegalidades no patrocínio ao evento evangélico baseado em artigo da Constituição que veda ao poder público estabelecer cultos religiosos. Em relação ao evento católico, alegou "ausência de interesse público na concessão da subvenção".

O recurso para o evento católico foi repassado diretamente à Diocese de Petrópolis. O TCE não informou quem recebeu a verba para o evento evangélico.

O apoio a eventos evangélicos é comum no Estado, afirma o pastor Silas Malafaia, presidente do Comerj (Conselho dos Ministros do Rio). Ele disse ainda considerar legal o apoio porque o evento representa diversas denominações evangélicas, e não uma igreja específica.

A Prefeitura do Rio começou a patrocinar a "Marcha para Jesus" em 2012, ano da reeleição de Eduardo Paes (PMDB). Nos últimos dois anos, o Comerj firmou contratos de mais de R$ 4 milhões com o município para a realização de duas marchas -- a entidade devolveu espontaneamente R$ 500 mil não usados em 2012.

PASTOR CONTESTA DECISÃO

O patrocínio às "Marchas para Jesus" realizadas no Rio ganhou força a partir do apoio público a Paradas de Orgulho LGBT no Estado, afirmou o pastor Silas Malafaia. Segundo ele, quem repassa verba para o evento gay, passou a fazer o mesmo para evangélicos.

"Por que eles [organizadores das paradas LGBTs] podem e nós não? Você acha que algum prefeito vai querer ficar no sal com os evangélicos?", disse o pastor.

De acordo com dados do Censo de 2010 do IBGE, 29% dos moradores do Rio são evangélicos, um dos Estados com maior proporção no país.

Malafaia afirmou que os recursos geralmente são passados ao Comerj, o que, para ele, não significa apoio a uma denominação religiosa.

"O conselho tem mais de 8.000 pastores de mais de 800 denominações. É uma organização paraeclesiástica. Não para uma igreja. É um evento para todos os evangélicos e quem quiser ir. Transcende os evangélicos", disse.

Ele classificou como "preconceito" e "perseguição religiosa" considerar o apoio à "Marcha para Jesus" ilegal.

"Quem vai impedir os recursos despejados para a vinda do papa [Francisco, em julho]? O que nós recebemos é fichinha", disse Malafaia.

A Folha não conseguiu localizar o ex-prefeito de Teresópolis Jorge Mário. Ele não se pronunciou no processo do TCE.

A Prefeitura do Rio afirmou que a "Marcha para Jesus" é "um evento cultural de forte expressão, gratuito e sem fins lucrativos". "Todos os expressivos eventos religiosos tiveram, de alguma forma, o nosso apoio", diz o município.

A Diocese de Petrópolis afirmou apenas que prestou conta dos gastos à Prefeitura de Teresópolis após o evento.

O Tribunal de Contas do Município do Rio, que fiscaliza os contratos da capital, ainda não analisou estes patrocínios.

A Jornada Mundial da Juventude consumiu cerca de R$ 52 milhões dos cofres do município e do Estado. Mas, segundo os governos, não houve repasse direto para a organização do evento.

Os custos, dizem, referem-se a obras e serviços que são de responsabilidade do poder público e foram antecipados ou intensificados em razão do evento católico. Os governos afirmam ainda que apoiaram a visita de um chefe de Estado --no caso, o papa Francisco.

O Ministério Público do Rio, porém, questionou na Justiça a contratação de médicos pela Prefeitura do Rio para atender a demanda da JMJ. A promotoria alegou que os gasto, de cerca de R$ 7,7 milhões, atenderia a um evento privado.


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