Folha de S. Paulo


Senado se articula para mudar proposta sobre fim do voto secreto aprovada na Câmara

O Senado se articula para mudar a proposta aprovada na Câmara nesta terça-feira (3) que acaba com o voto secreto no Legislativo. Parte dos senadores quer manter o voto secreto para vetos presidenciais e escolha de autoridades do Executivo e Judiciário, acabando com o sigilo das votações apenas nos casos de cassação de mandato dos congressistas.

Sem acordo com o Senado, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), viabilizou ontem a aprovação de polêmica proposta parada havia sete anos, que coloca fim a todas as votações secretas no Congresso, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras Municipais. A ação foi orquestrada para minimizar o desgaste causado pela absolvição do deputado Natan Donadon (ex-PMDB-RO), em votação secreta.

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Muitos senadores consideram essencial manter o voto secreto na análise de vetos que a Presidência da República faz a projetos aprovados no Congresso, até para permitir que aliados do governo votem contra o Executivo --como aprovado pelo Senado em outra proposta que tramita na Câmara.

"Provavelmente haverá emenda para que a votação secreta de autoridades e vetos permaneça no Legislativo. Isso previne o parlamentar e permite votar contra o próprio governo", disse o senador Romero Jucá (PMDB-RR).

Se o Senado mudar a proposta aprovada na Câmara, ela terá que retornar para nova análise dos deputados, o que atrasa a análise do tema no Legislativo. A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que passou no Senado está em análise em uma comissão especial da Câmara e é a que mais rapidamente pode entrar em vigor, já que só trata do voto aberto nas cassações. Mas como ela ainda precisa de duas semanas de tramitação na comissão, Alves a optou pela mais abrangente que já estava pronta para ser votada.

Diante da resistência dos senadores à postura da Câmara, Alves baixou hoje o tom do discurso sobre acelerar a tramitação da proposta no Legislativo. O deputado preferiu exaltar o passo dado pela Casa nesta terça ao aprovar o projeto.

"A votação de ontem [terça-feira] já deu à Câmara uma tranquilidade, já mostrou ao país o que pensamos sobre o voto aberto, todo ele aberto, e por unanimidade. Portanto, a Câmara já mostrou sua cara, sua consciência em relação a esse problema", afirmou Henrique, na manhã desta quarta-feira (4).

Sérgio Lima/Folhapress
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Deputados abrem faixa no plenário pedindo o voto aberto nas votações da Câmara; projeto foi votado nesta terça pela Casa

DEMORA

A posição de Henrique amplia a percepção de que o fim efetivo do voto secreto, ainda que apenas para votações relativas a cassações de mandato, vai demorar para sair do papel --especialmente se o Senado mudar a proposta.

Ainda na noite de terça, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), já alertava para uma tramitação lenta. Segundo ele, "ao votar esta PEC que ainda não tramitou no Senado, não tenho dúvida de que vai delongar o processo".

A decisão de ontem, contudo, criou uma sinuca de bico política. De um lado, Renan apresenta resistências a acelerar a tramitação da PEC 349 aprovada com pompa pela Câmara. De outro, o PMDB, segundo maior partido da Casa e com forte poder de influência sobre outras legendas, declara ser contra que a outra PEC vá a plenário.

"Se eu já votei voto aberto para tudo, eu não vou votar uma segunda. É redundante. É contraditório", afirmou na terça-feira o líder da bancada do partido, Eduardo Cunha (RJ). Hoje, ele manteve a posição.

A postura do PMDB tem o apoio dos chamados senadores "independentes" do Senado. O grupo vai defender a aprovação da PEC da Câmara por ser favorável ao fim do sigilo em todas as votações do Legislativo.

"A resposta que temos que dar à sociedade é acabar com o voto secreto. A bola está com o Senado. Temos que empurrar para o gol e votar a proposta como veio da Câmara. Não podemos esperar que essa PEC novamente durma cinco ou seis anos, até vir um novo escândalo", afirmou o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AL).

Na manhã desta quarta, Henrique aproximou seu discurso ao do líder do PMDB.
Ontem, se disse "inteiramente comprometido" a buscar um acordo político para aprovar a PEC do Senado. Hoje, defendeu que "acompanhar o desenrolar" e que "quando estiver pronta" que ela seja levada ao colégio de líderes para discussão sobre a conveniência de pautar o projeto para o plenário.

"Se aprovou a mais abrangente. A menos abrangente perde um pouco o seu sentido, mas não invalida se entenderem assim que deveriam votar também por uma questão de uma ser mais rápida do que a outra", afirmou.

Henrique nega, no entanto, que esteja "lavando as mãos" em relação aos futuros desdobramentos da tramitação do projeto.

"A gente está cumprindo nosso dever. Se a gente não vota, é porque não quer vota. Se a gente vota, está lavando as mãos. Assim fica difícil", disse.


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