Folha de S. Paulo


Discurso e relato de drama na cela ajudaram defesa de Donadon

"Você ganhou a Casa", resumiu o deputado Marcos Rogério (PDT-RO), num bate-papo com Natan Donadon, no fundo do plenário da Câmara, cerca de 30 minutos antes do anúncio de que, mesmo preso e condenado por desvio de dinheiro público, ele permaneceria um deputado.

A afirmação era uma referência direta a dois elementos decisivos: o fato de ter se exposto ao deixar o presídio e ir ao plenário, apesar de todas as avaliações apontarem para a certeza de nova humilhação, com a perda do mandato.

E ao discurso de 40 minutos que proferiu em sua defesa diante de um plenário que, minutos antes, dava como certa a cassação.

Foram, mais especificamente, 15 minutos de uma descrição de um "inferno" na cadeia que poderia atingir outros parlamentares presentes. Uma deputada chorou ao ouvir o relato.

Donadon contou como chegou à Câmara: algemado, num camburão. E com fobia de lugares fechados. Depois relatou que, para tomar banho antes de ser levado à Câmara, teve de recorrer a garrafinhas de água cedidas por um vizinho de cela. O motivo: falta d'água na cadeia.

Implorou por absolvição, "pelo amor de Deus".

Após poupar deputado preso, Câmara revê rito de cassacões

Os mais de 400 deputados presentes ouviram em silêncio o discurso do colega desconhecido de muitos. Quando os 25 minutos regulamentares se esgotaram, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, não teve outra opção além de deixar ele falar mais após dezenas de deputados ordenarem do plenário: "Deixa ele falar!".

Logo após seu discurso, ele foi para o corredor central, apinhado de parlamentares. Alguns deputados abraçaram Donadon de forma efusiva. Outros davam um abraço protocolar, olhando para o alto, com receio de serem fotografados. Mas a receptividade já tinha aumentado.

Seu advogado, Gilson Stefanes, que dispensou o direito que também teria a 25 minutos de defesa oral: "A argumentação jurídica aqui não importa. Aqui o julgamento é político. Era importante que ele falasse", afirmou o advogado.

Também contribuiu para o resultado o fato de que 50 deputados que registraram presença na Câmara não participaram da votação -dos quais 11 do PT. Como eram necessários mais 24 votos para que Donadon fosse cassado, as ausências podem ter feito a diferença.

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COMO FICA O CASO DO DEPUTADO PRESO

1 O processo de cassação contra Natan Donadon pode ser reaberto?

Não. A decisão do plenário relativa à condenação do deputado pelo STF é definitiva. Donadon somente pode ser alvo de novo processo que trate de outra acusação.

2 Se a decisão do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, de suspender o mandato de Donadon for revista pela Justiça, ele poderá ter autorização para ir ao Congresso?

É muito remota a possibilidade de que a Justiça autorize sua saída para participar de votações, já que ele foi condenado a regime fechado. Donadon só foi à Câmara anteontem como forma de exercer na plenitude seu direito de defesa.

3 Nesse caso, ele pode perder o mandato por faltar às sessões?
Em tese, sim, já que a Constituição determina a cassação por faltas não justificadas a mais de um terço das sessões do ano. Mas a área técnica da Câmara considera que essa punição pode não ser considerada devida nesse caso, pois as faltas independeriam da vontade do deputado.

4 A preservação do mandato dá algum tipo de regalia a Donadon no presídio?
Segundo a Penitenciária da Papuda, onde Donadon está preso, ele ocupa cela individual pelo status de deputado.

5 Donadon, na condição de presidiário, poderá tentar renovar seu mandato no ano que vem?
Não. A prisão em regime fechado pressupõe a suspensão de direitos políticos. Ele se enquadra nas vedações da Lei da Ficha Limpa.

6 Com a manutenção de seu mandato, Donadon continuará a receber salário e verbas?

A Câmara já havia cortado salário e benefícios após o deputado ter sido preso, em 28 de junho. Apesar de não ter sido cassado, ele foi afastado, e seu suplente assumiu o mandato. A defesa dele, porém, pleiteia na Justiça que ele volte a receber salário.

7 Caso o plenário também mantenha os mandatos dos condenados no mensalão, o que deve ocorrer?

No caso de João Paulo Cunha (PT-SP), condenado a regime fechado, a Câmara diz que adotará o procedimento do caso Donadon -afastamento e convocação do suplente. No caso de José Genoino (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP), condenados a regime semiaberto, a Câmara diz que será necessário avaliar a situação.


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