Folha de S. Paulo


Justiça proíbe jornal de noticiar apuração sobre juiz no Paraná

A Justiça do Paraná proibiu o jornal "Gazeta do Povo", o maior em circulação no Estado, de publicar reportagens sobre investigações abertas contra o presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, Clayton Camargo.

O pedido foi feito no fim de julho pelo próprio magistrado, que assumiu a presidência do TJ em fevereiro. Camargo é alvo de investigações sigilosas no CNJ (Conselho Nacional de Justiça), sob suspeita de tráfico de influência e venda de sentenças, que foram noticiadas pelo jornal.

O desembargador teve o pedido negado em primeira instância, mas conseguiu reverter a decisão com um recurso ao próprio TJ.

A decisão é da semana passada e determina que o jornal "se abstenha de publicar matérias jornalísticas que atinjam a honra, a boa fama e a respeitabilidade do autor".

A medida também ordena que o veículo exclua de seu site todos os textos publicados sobre o caso, sob pena de multa diária de R$ 10 mil.

No processo, Camargo afirmou que foi alvo de uma "campanha detratora" que atingiu sua honra, e que as notícias "vieram impregnadas pelo ranço odioso da mais torpe mentira".

Na época da veiculação das denúncias na "Gazeta do Povo", Camargo, procurado pelo jornal, disse que não falava com jornalistas. "Vá fazer perguntas para tua mãe. Eu não tenho que dar satisfação alguma. Eu não falo com jornal, principalmente com esse teu jornal", disse.

Segundo a defesa do desembargador, a liberdade de expressão prevista na Constituição "não é absoluta e não pode ocluir [obstruir] os direitos da personalidade".

O juiz substituto Benjamin Acácio de Moura e Costa acatou a argumentação da defesa e afirmou que o presidente do TJ foi alvo de "artilharia pesada". Com a decisão, ele cassou uma liminar anterior, que entendeu que, por ocupar cargo público, o presidente está sujeito à atuação mais incisiva da mídia.

Para organizações de imprensa, a decisão representa censura. "Mais do que atingir o jornal, é uma afronta ao direito dos cidadãos de serem livremente informados", disse Ricardo Pedreira, diretor-executivo da ANJ (Associação Nacional de Jornais).

Em nota, a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) também classificou o caso como um "novo episódio de censura judicial".

"A censura foi banida no Brasil pela Constituição de 1988. É especialmente preocupante que seja o Judiciário a fazer uso desse expediente e privar a sociedade do direito à informação", diz o texto.

O corregedor nacional de Justiça, Francisco Falcão (que conduz as investigações contra Camargo), condenou a decisão. "É lamentável que se busque o Judiciário para tentar calar a voz independente da imprensa", disse. O CNJ vai monitorar o processo.

A "Gazeta do Povo" informou que não iria se manifestar, já que a ação corre em segredo de Justiça. No decorrer do processo, porém, o veículo disse que a decisão é de "censura prévia", pois os fatos noticiados são de interesse público.

Procurado, Camargo não se manifestou sobre o tema até a publicação desta matéria.


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