Folha de S. Paulo


Copacabana vira o maior acampamento do mundo

Uma manta multicolorida, formada por milhões de sacos de dormir, colchões infláveis e barracas de camping, parecia ter sido estendida sobre a orla de Copacabana, na zona sul do Rio.

Palco da maior festa de réveillon do país, o local se transformou no maior acampamento do mundo na vigília de sábado para domingo da Jornada Mundial da Juventude.

Nunca um público tão grande havia passado tanto tempo ali. As calçadas da avenida Atlântica, as pistas de asfalto e as areias da praia e até postos de gasolina estavam tomadas por peregrinos preparando-se para dormir.

Em vez da tradicional procura pelos luxuosos quartos de hotéis, a disputa era pelas suas calçadas. Não era possível, por exemplo, que os hóspedes do Copacabana Palace entrassem pela porta da frente porque o local estava ocupado por acampamentos.

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Os missionários pareciam não se importar com a falta de estrutura. O clima era de ordem, compreensão e até de comemoração pela noite de céu limpo e temperaturas não tão baixas --média de 17 graus.

Colocado à prova, o astral dos peregrinos não se abalava. A educação prevaleceu entre o público. Nenhuma confusão ou bate boca foi presenciado pela Folha.

Apenas no começo da noite, alguns se exaltaram quando o grupo que gritava Fora Cabra foi para areia. Uma menina gritou que Maria Madalena era prostituta e que Jesus, se estivesse ali, estaria do lado da manifestação e não dos católicos. Recebeu uma sonora vaia.

Alguns religiosos da Bolívia sentaram, e começaram a rezar, mas a maioria gritou: "Esa és la juventud de papa". Imediatamente, veio a resposta dos manifestantes: "Esta é a juventude livre".

Durante a noite, peregrinos comiam artigos do chamado "kit vigília", caixa de papelão com três quilos de comida que cada um deles recebeu. Dentro havia latas de atum, torradas, barras de cereal, sucos e doces. O peregrino Paulo Raphael Oliveira Neto, 31, fazia sua refeição com o restante de seu grupo.

"Eu fui à jornada em Madrid e o "kit vigília" daqui é do mesmo nível do de lá",disse. O rapaz é de um grupo de cerca de 100 missionários paulistas que vive em comunidade em um sítio na periferia de São Paulo, no bairro Taipas. Eles foram no intuito de não gastar dinheiro além do previsto e durante a vigília não comeram nada do que não viesse na caixa.

Perto dali, peregrinos preferiam uma comida quente. Barracas de cachorro-quente tinham filas. Muitos, optaram pelas redes de fast food da região. Enquanto uns ficavam na barrinha de proteína, outros se deliciavam com pizzas e cheeseburgers.

Após a noite agitada, na qual peregrinos acompanharam a missa do papa e as orações que se seguiram, a madrugada correu tranquila. Muitos foram dormir logo após se encerrarem as apresentações no palco.

As pessoas que decidiram ficar acordadas se concentraram na pista da avenida Atlântica, cantando e dançando. Na faixa de areia mais próxima ao mar, jovens também se divertiam. Já no início da faixa de areia, freiras, padres e jovens mais centrados rezavam o terço.

Os mais jovens permaneciam na avenida Atlântica, cantando e dançando, mas já não se ouvia mais coros entusiasmados da tradicional "está é a juventude do papa". Muitos fizeram suas preces em silêncio, ajoelhados em seus sacos de dormir e depois deitaram.

Um grupo de seis curitibanas explicou à reportagem que a vigília não é necessariamente para passar a noite orando. Elas lembraram que cantar, além de ser uma forma de conhecer novas pessoas, também é uma forma de oração.

Foi devido ao contato pessoal que elas deram a sorte de ver o papa na missa do dia anterior à vigília. A professora Raquel Ribeiro, 25, contou que seu grupo se preparava para ir embora de Copacabana quando fez amizade com uma senhora que estava sozinha no evento, chamada Terezinha. Assim que Terezinha se junto ao grupo, contou, o papa passou na sua frente.

Muitas ainda não tinham visto o papa ainda e estavam frustradas por ir embora se vê-lo. "A partir daí adotamos a Terezinha naquele dia. O contato com as pessoas as vezes é tão gratificante como uma oração", disse. Às 4h a praia de Copacabana estava em silêncio. Era possível ver e ouvir da calçada as ondas fortes.

Alguns americanos, de um colégio jesuíta, resolveram mergulhar. Outros fizeram verdadeiras trincheiras de areia para se proteger. Ali ninguém acordou molhado. Em outro ponto, o mar acordou um grupo, encharcou seus sacos de dormir e levou parte da comida.

O grande vilão foram os banheiros químicos, em número inferior ao necessário. De manhã, a porta da 12ª DP ostentava uma fila de mais de 30 pessoas. Nenhuma delas estava ali para reportar crimes. Estavam na fila do banheiro, cedido à população.

Durante a noite, em alguns pontos a espera mínima na fila era de 20 minutos. O cheiro se espalhava pela orla e tornava quase insuportável à espera na fila.

Com a falta de lavatórios, previstos para Guaratiba e ausentes em Copacabana, peregrinos escovavam os dentes e, sem opção, cuspiam em canteiros ou na areia.
Às 6h40 o sol nasceu e os peregrinos aplaudiram. Um grupo de freiras rezou antes de tomar café da manhã.

Ainda fazia frio, 15º, quando a produção tocou o tema da Jornada Mundial da Juventude, pontualmente às 7h. As pessoas acordavam aos poucos à medida que o sol ficava mais forte. Muitos jovens começaram a tomar banho de mar. Uma peregrina estrangeira quase ficou com os seios amostra quando uma onda desarrumou seu biquíni, próxima a uma freira que molhava as canelas, levantando a bata.

Logo ao amanhecer, o estudante de matemática Leandro Souza Vieira, 22, saiu de dentro da água gritando para os amigos que o mar "é salgado mesmo". Natural de São Miguel do Anta, na zona na mata mineira, Vieira nunca havia visto o mar na vida.

Ele mergulhava extasiado, sem se importar com o frio que ainda resistia apesar do sol. Questionado sobre o que era mais emocionante, entre ver o papa ou mar, ele não titubeou. "O papa é a santidade, mas o mar foi Deus quem fez pra gente".


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