Folha de S. Paulo


Área de Campus Fidei é 'naturalmente alagável', diz especialista

O terreno escolhido originalmente para abrigar o Campus Fidei, em Guaratiba (zona oeste), está numa região "naturalmente alagável" por suas características geográficas, afirma a professora Rita Montezuma, do Departamento de Geografia da UFF (Universidade Federal Fluminense). Nesta quinta (25), a organização do evento decidiu transferir a vigília dos jovens com o papa Francisco para Copacabana porque o local se transformou num enorme lamaçal.

Principal especialista sobre a bacia hidrográfica da região, a geógrafa é taxativa: "A prefeitura tem essa informação, tem esse mapeamento [sobre áreas alagáveis]. Se ela ignorou, ela é muito responsável pelo que está acontecendo agora."

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O terreno em Guaratiba aparece em mapas do IPP (Instituto Pereira Passos), da prefeitura, como área alagável. De acordo com Montezuma, essa característica se deve à combinação entre terrenos com depressões abaixo do nível do mar e confluência de rios. Uma das principais características é a presença de manguezais.

"Em Guaratiba, há manguezais bem extensos. Não à toa, o que se comia nos restaurantes dessa área? Caranguejos e siris. A área é naturalmente alagável", disse a professora.

De acordo com a prefeitura, o local foi a terceira opção para abrigar o evento religioso. Antes foram analisadas as regiões das bases aéreas de Campo dos Afonsos e Santa Cruz, mas elas foram consideradas inadequadas. O comitê organizador local da Jornada Mundial da Juventude exigia um terreno em que fosse possível realizar uma longa caminhada, tradição no evento. Para chegar ao Campus Fidei, seria necessário andar 13 quilômetros.

A Prefeitura do Rio gastou recursos próprios na urbanização de vias próximos ao terreno, na construção de passarelas e na limpeza e dragagem do rio Piraquê, vizinho ao local. O município não detalhou o custo dessas intervenções. O gasto público total por parte da prefeitura na Jornada foi de R$ 26 milhões, incluindo os eventos em toda a cidade.

A chuva que provocou o lamaçal não foi extraordinária, mas concentrada entre quarta (24) e quinta-feira (25). De acordo com dados do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), choveu 51,6 mm no período na estação de Mangaratiba, a mais próxima de Guaratiba. O acumulado no mês de julho foi de 72,2 mm --longe dos mais chuvosos em 2004 (177,6 mm) e 2010 (171,4).

Durante voo de monitoramento que faz periodicamente sobre a área, Montezuma afirma ter notado que a área foi aterrada e diz ter se preocupado. O terreno sofreu terraplanagem para receber as instalações.

"Como se faz uma proposição dessas, ainda mais com vistas a atingir um público internacional, numa área sujeita naturalmente a alagamentos? Pensei: 'Ainda bem que estamos no inverno, e a probabilidade de se ter problemas com alagamentos é mais baixa'. Mas não é nula. A prova disso é o que acontece agora. Pegou chuvas finas que foram suficientes para fazer aparecer essa condição intrínseca do lugar que é de alagamento", disse a professora.

OLIMPÍADA

A região escolhida para a Vila dos Atletas para a Olimpíada têm as mesmas características. O local, que abrigou o Rock in Rio em 2001, também sofreu com alagamentos semelhantes durante outro grande evento: os Jogos Pan Americanos de 2007. O terreno abrigou as partidas de beisebol num completo lamaçal.

O local passa por intervenções da construtora responsável pelo empreendimento. A prefeitura também investe cerca de R$ 340 milhões na macrodrenagem da bacia da região para reduzir os casos de alagamentos. A região é a que mais cresce na cidade, com diversos empreendimentos imobiliários. Os donos do terreno em Guaratiba também têm a intenção de erguer prédios residenciais após o evento.

Para Montezuma, a exploração da região é equivocada. "É um erro crasso da prefeitura. Ela não aprende com os erros do passado. Ocupa áreas que não deveriam ser ocupadas dessa forma, impermeabiliza áreas que não deveria, e quando chega mais a frente, ela é obrigada a lidar com os erros que cometeu. O problema é que a população que paga por esse erros é justamente a que foi segregada no processo de urbanização."


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