Folha de S. Paulo


Análise: Francisco fala do cerne da fé cristã de maneira despojada

É difícil evitar o trocadilho: o primeiro discurso do papa no Brasil foi de uma simplicidade franciscana. Bento 16 tentou deixar sua marca como o sumo pontífice que centrava sua mensagem nos aspectos mais básicos da crença cristã, mas Francisco tem feito a mesma coisa de maneira aparentemente mais bem-sucedida, em parte porque consegue falar do cerne da fé de maneira mais despojada.

Não é à toa que a curta fala do papa argentino nesta segunda tenha sido recheada com referências ao mundo dos primeiros cristãos. Sua frase mais impactante, "Não tenho ouro nem prata, mas trago o que de mais precioso me foi dado: Jesus Cristo", é praticamente uma transcrição das palavras de São Pedro (segundo a tradição católica, o primeiro papa) no livro bíblico dos Atos dos Apóstolos, quando, em vez de dar esmola a um deficiente físico, o chefe dos discípulos de Jesus o cura milagrosamente.

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Do mesmo modo, a citação mais direta à Bíblia, "Ide e fazei discípulos entre todas as nações", aparece com variações na conclusão de quase todos os Evangelhos, quando o Jesus ressuscitado pede que seus apóstolos virem missionários.

Leia a íntegra do primeiro pronuciamento do papa no Brasil

Esse ponto é importante porque, desde os últimos anos do papado de Bento 16, a cúpula da Igreja Católica tem colocado a chamada "nova evangelização" --tanto ganhar novos adeptos quanto, principalmente, voltar a atrair o rebanho católico desgarrado-- no centro de sua agenda. Francisco deixa claro que quer colocar sua marca pessoal nesse esforço.

E, por mais que tenha mostrado respeito e até carinho em relação a seguidores de outras religiões e não crentes, o papa continua defendendo a ideia, talvez antiquada para muita gente, de que o ideal é a conversão para a fé católica.

Francisco segue os passos de João Paulo 2º ao adaptar seu discurso à linguagem popular brasileira --como o uso do "botar fé", que já está ficando famoso-- e à referência à Nossa Senhora Aparecida, o que não surpreende no caso do atual papa, que tradicionalmente pede proteção à Virgem Maria onde quer que vá.

Por enquanto, a preocupação social que tem se tornado a marca do atual sumo pontífice apareceu de maneira mais amena no pedido para que todos os jovens tenham condições para seu pleno desenvolvimento material e espiritual.

Francisco já mostrou que pode ser mais contundente ao abordar esses temas, como durante sua visita à ilha italiana de Lampedusa, onde é comum acontecerem naufrágios de imigrantes ilegais vindos da África. Ele lembrou que "ninguém chora por esses mortos". Resta saber se o tom profético aparecerá em algum momento no Brasil.


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