Folha de S. Paulo


Comissão da Verdade estuda responsabilizar empresas por perseguição política

A Comissão Nacional da Verdade vai estudar caminhos legais para que empresas que promoveram perseguição política a seus funcionários durante a ditadura militar (1964-1985) sejam responsabilizadas.

O objetivo é que trabalhadores que se sentiram prejudicados por essas empresas, por exemplo proibidos de participar de greve ou demitidos por motivação política, possam pedir reparação política e material --neste caso, em forma de indenização.

Entre as empresas, estariam estatais como Petrobras e Correios, ex-estatais como Embraer e CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), e privadas como Volkswagen e Monark.

A informação foi divulgada nesta terça-feira (16) pela coordenadora da comissão, Rosa Cardoso, e por sindicalistas que participam do Grupo de Trabalho Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical.

Moacyr Lopes Junior - 17.julh.2013/Folhapress
Rosa Cardoso, coordenadora da Comissão Nacional da Verdade, acompanhada de lideres sindicais em coletiva
Rosa Cardoso, coordenadora da Comissão Nacional da Verdade, acompanhada de lideres sindicais em coletiva

O Grupo de Trabalho realizará, na próxima segunda-feira (22), um ato para relembrar os 30 anos da greve geral de 21 de julho de 1983. Sindicalistas prometem divulgar durante o evento documentos que mostram que empresas e órgãos da repressão, como o Dops, trocavam "listas negras" de funcionários.

"Vamos entregar documentos que comprovam, por exemplo, que organismos de segurança da Aeronáutica se reuniam com diretores de empresas para apresentar uma lista negra [de pessoas] para não contratar", disse o secretário-geral do CSP/Conlutas, Luiz Carlos Prates, conhecido como Mancha.

"Estamos começando a ver outros países onde isso tem acontecido", disse a coordenadora Rosa Cardoso. "Primeiro vamos fazer um levantamento das empresas a que se pode pedir reparação. Vamos ter que construir uma estratégia para conseguir isso."

Até o momento, no Brasil, não há casos de empresas responsabilizadas por violações de direitos humanos no período da ditadura militar. Mas, segundo a assessora técnica da comissão San Romanelli, o colegiado brasileiro se baseará em casos recentes na Argentina e na Alemanha, em que empresas foram responsabilizadas por perseguição a seus trabalhadores durante a ditadura e o regime nazista.

Se o colegiado brasileiro concluir que essas empresas devem ser responsabilizadas, isso constará na lista de recomendações que será apresentada junto com o seu relatório final.

Em nota, a assessoria de imprensa dos Correios afirmou que a empresa está "à disposição da Comissão Nacional da Verdade para, dentro dos normativos legais, contribuir para o resgate da memória e pelo fortalecimento da democracia". A Volkswagen afirmou, por nota, que "não dispõe de informações para comentar o assunto". As demais empresas não responderam até a publicação desta notícia.

Outra reivindicação dos sindicalistas que está em estudo pela Comissão da Verdade é que sejam alterados os critérios atuais usados para pagamento de indenizações pela Comissão de Anistia a vítimas da ditadura.

Eles criticam o valor das indenizações e o uso de critérios distintos para cada categoria de trabalhadores. Uma das categorias insatisfeitas seria a dos petroleiros.

"Os valores estão congelados e a reparação é muito baixa, muito aquém da necessidade dessas pessoas", disse Mancha.

Segundo Rosa Cardoso, a comissão fará "um estudo da lei que concede essa reparação" para estudar uma nova política na concessão das indenizações. "Entendemos que a indenização para algumas categorias tem sido irrisórias", disse a coordenadora.

CARTA

Rosa Cardoso afirmou nesta terça-feira (16) que concorda com as críticas de grupos de direitos humanos e de vítimas da ditadura, que encaminharam na segunda-feira (15) uma carta à Comissão da Verdade em que criticam a falta de transparência, divergências internas e lentidão dos trabalhos do colegiado, conforme informou ontem a colunista da Folha Mônica Bergamo.

"Acho que há um consenso de que nós devemos trabalhar num ritmo muito mais veloz e consistente e submetendo o resultado dos nossos trabalhos a uma crítica permanente e a um diálogo com os interessados, para que não cheguemos ao final do nosso trabalho apresentando um relatório que possa até ser contestado pelos interessados", disse a coordenadora.

O texto das entidades de direitos humanos pede a volta do ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles, que deixou a comissão após divergências internas no grupo, e a substituição de Gilson Dipp, afastado desde setembro por motivos de saúde.

Quanto à recomposição dos membros do grupo, Rosa Cardoso disse esperar que a nomeação dos substitutos pela Presidência da República aconteça "a qualquer momento" e "o mais rápido possível". "A recomposição é uma exigência absolutamente justa, ela não pode mais ser postergada", afirmou.

Segundo ela, a escolha dos novos membros será essencial para poder responder às outras demandas da comissão. Rosa disse ainda que a comissão precisa de mais pesquisadores para conseguir realizar seus trabalhos, e que já há recursos para contratar esses assessores. "É preciso mais gente tanto para ouvir vítimas como para buscar em acervos informações."

Sobre a falta de diálogo com grupos ligados às vítimas da ditadura, o que tem sido uma crítica frequente ao colegiado, Rosa afirmou que "ficou definido na comissão que nós vamos trabalhar em um intercâmbio muito maior e mais permanente com eles [vítimas da ditadura e seus familiares]".

Os autores da carta pedem ainda a realização de mais audiências públicas com agentes e com vítimas da ditadura; que a comissão priorize os esclarecimentos dos casos de mortos e desaparecidos; e que o grupo garanta a abertura total dos arquivos dos órgãos de repressão e informação da ditadura.

Rosa disse concordar com todos esses pontos. Sobre a abertura dos arquivos, ela reafirmou que a comissão não conseguiu isso com as Forças Armadas. "Eles [Forças Armadas] dizem que os [arquivos] que nos interessam mais, que teriam informações sobre mortos e desaparecidos, foram queimados", afirmou, acrescentando que não acredita na versão dos militares, porque deveria haver no mínimo o registro sobre a incineração dos documentos e que antes eles teriam sido microfilmados.

No mês passado, a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, que representa as vítimas da ditadura, já havia solicitado à coordenadora da comissão uma audiência com a presidente Dilma Rousseff para apresentar para pedir uma reestruturação do grupo.

Leia a íntegra da carta

CARTA ABERTA À COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE

Senhores Comissários,

Nós, familiares de mortos e desaparecidos políticos, ex-prisioneiros políticos, entidades, movimentos de luta pela Verdade e Justiça, militantes dos direitos humanos e lutadores sociais, vimos externar nossa indignação com os graves acontecimentos que envolvem a Comissão Nacional da Verdade e nossa preocupação com a opacidade, falta de unidade e morosidade com que tem funcionado a CNV.

Consideramos de extrema gravidade um eventual fracasso da Comissão Nacional da Verdade na consecução de seus objetivos principais. As consequências de tal fato serão funestas não só para as gerações presentes, mas para o futuro de nossa nação.

Desde o inicio dos trabalhos da CNV, cobramos a apresentação de um plano mínimo de trabalho, com objetivos e metodologia definidos; enfatizamos a necessidade de priorizar a investigação sobre os mortos e desaparecidos políticos e sobre a estrutura de repressão.

Expressamos a necessidade e importância de convocar os agentes do estado responsáveis pelos crimes de tortura, assassinatos e desaparecimentos forçados.

Da mesma forma, consideramos fundamentais as audiências públicas, amplamente divulgadas pelo sistema público de comunicação social, com os testemunhos das vitimas, familiares e sobreviventes.

Houve momentos de entusiasmo de nossa parte, com os textos publicados por Cláudio Fonteles no site da CNV, comprometidos com a busca da verdade em torno dos mortos e desaparecidos políticos. Qual não foi nossa surpresa, quando vimos que essa postura era duramente questionada por outros integrantes da CNV!

A partir de então, temos assistido as divergências internas se transformarem em ataques pessoais e públicos, numa triste demonstração de descompromisso com a verdade e a história, refletindo na falta de clareza do papel histórico da CNV.

A divulgação do relatório parcial da CNV demonstrou desconhecimento das informações acumuladas, ao longo de mais de 40 anos, pelos envolvidos na luta pelo resgate da memória e da verdade histórica.

A existência da CNV, fruto da luta dos familiares de mortos e desaparecidos políticos, ex-prisioneiros e militantes dos direitos humanos, significa mais do que uma necessidade, é um momento impar da história de nosso país, quando ainda é possível construir a verdade com a participação dos últimos sobreviventes - testemunhos oculares dos fatos.

Neste momento em que tantas vozes se erguem pelo Brasil exigindo mais seriedade, respeito e presteza na consecução de políticas publicas, apelamos para a consciência cidadã de cada um dos membros dessa Comissão, para que coloquem os princípios dos direitos à Memória, Verdade e Justiça do nosso povo e, principalmente dos familiares dos mortos e desaparecidos, acima de quaisquer desentendimentos ou divergências, e propomos:

1. A imediata recomposição dessa Comissão, com a volta de Cláudio Fonteles, a substituição de Gilson Dipp e a garantia de que todos os integrantes estejam voltados prioritária e realmente para os trabalhos da CNV, e que estejam ainda comprometidos não apenas com o Direito à Verdade, Memória e Justiça, mas também com a concepção de Comissão que trabalhe com e para a sociedade, entendendo que o processo é tão importante quanto o relatório final;

2. Que a CNV intensifique as audiências públicas, devidamente organizadas, convocando agentes do Estado envolvidos nas graves violações aos direitos humanos, bem como as testemunhas - vítimas, familiares, sobreviventes;

3. Que o foco das investigações da CNV seja o esclarecimento dos casos dos mortos e desaparecidos políticos, motivo esse que levou à criação e constituição da CNV;

4. Que a CNV se transforme num coletivo, forte o suficiente para garantir a abertura total dos arquivos dos órgãos de repressão e informação da ditadura, tanto a nível federal como estadual.

Por fim, entendemos que o resgate da verdade não se restringe à elaboração de um relatório final pela Comissão Nacional da Verdade, mas sim, é o produto de trabalho coletivo que depende de interação com as diversas formas de organização e expressão da sociedade civil. Por isso, os signatários desta carta apresentam propostas e se solidarizam com o Dr. Claudio Fonteles, que, no seu período à frente da Comissão Nacional da Verdade, sinalizou o caminho a ser trilhado. Manifestamos também nossa total solidariedade à atual coordenadora Rosa Cardoso, que se identifica com nossas propostas e tem buscado o diálogo e a participação da sociedade.

"A única luta que se perde é a que se abandona."

São Paulo, 15 de julho de 2013.

In memoriam aos familiares

Agrícola Maranhão do Vale

Alice Pereira Fortes

Alzira Grabois

Anita Lima Piahuy Dourado

Ariston Lucena

Arnaldo Xavier Cardoso Rocha

Benigno Girão Barroso

Berel Reicher

Blima Reicher

Carlos Alberto De Ré

Clélia Tejera Lisbôa

Consueto Ferreira Callado

Cristovam Sanches Massa

Cyrene Moroni Barroso

Davi Capistrano Filho

Dilma Alves

Edgar Corrêa

Edmundo Dias de Oliveira

Edwin Costa

Elza Joana dos Santos

Ermelinda Mazzafero Bronca

Eunice Santos Delgado

Euthália Rezende de Souza Nazareth

Fanny Akselrud de Seixas

Felícia Mardini de Oliveira

Guilhermina Bezerra da Rocha

Helena Pereira dos Santos

Ilma Linck Haas

Iracema Merlino

Irene Guedes Corrêa

Izabel Gomes da Silva

James Wright

João Baptista Xavier Pereira

João Luiz de Moraes

Julieta Petit da Silva

Lais Maria Botelho Massa

Luiza Monteiro

Lulita Silveira e Silva

Majer Kucinski

Manoel Porfírio de Souza

Márcia Santa Cruz

Márcio Araújo

Maria de Lourdes Oliveira

Maria Helena Carvalho Molina

Maria Madalena Cunha

Maria Mendes Freire

Odete Afonso Costa

Paulina da Silva

Rosalvo Cypriano Souza

Walter Pinto Ribas

Zuleika Angel Jones

Adilson Oliveira Lucena

Alberto Henrique Becker

Alessandra Gasparotto

Alípio Freire

Aluizio Palmar

Ana Maria Muller

Ângela Mendes de Almeida

Ângela Telma Oliveira Lucena

Antônio Pinheiro Salles

Aton Fon Filho

Beatriz Cintra Labaki

Bernardo Kucinski

Carlos Alberto Lobão Cunha

Carlos Gilberto Pereira

Carlos Lichtsztejn

Caroline Silva Bauer

Celso Carvalho Molina

César Augusto Teles

Cesar Cavalcanti

Clarice Herzog

Claudio Antonio Weyne Gutierrez

Claudio Carvalho Molina

Clélia de Mello

Clóvis Petit de Oliveira

Criméia Alice Schmidt de Almeida

Damaris Oliveira Lucena

Darcy Miyaki

Denise Oliveira Lucena

Derlei Catarina De Luca

Dulce Maia de Souza

Edson Luis de Almeida Teles

Edgardo Binstock

Edival Nunes Cajá

Eliete Ferrer

Elio Cabral

Elma Dutra

Elza Ferreira Lobo

Elzira Vilela

Enzo Luiz Nico Jr.

Francisco Celso Calmon

Gilberto Carvalho Molina

Gilney Amorim Viana

Helenalda Resende de Souza Nazareth

Hugo Albuquerque

Iara Xavier Pereira

Ivan Seixas

Janaína de Almeida Teles

João Carlos Bona Garcia

João Carlos Schmidt de Almeida Grabois

Laura Petit da Silva

Laurenice Noleto Alves

Lilian Celiberti

Lilian Ruggia

Lorena Moroni Girão Barroso

Marcelo Santa Cruz

Maria Amélia de Almeida Teles

Maria Cristina Vannucchi Leme

Maria Eliana de Castro Pinheiro

Maria Lygia Quartim de Moraes

Maria Madalena Prata Soares

Maria Regina Jacob Pilla

Maria Socorro de Castro

Marilda Toledo de Oliveira

Marta Nehring

Maurice Politi

Miriam Marreiro Malina

Nei Tejera Lisboa

Nilce Azevedo Cardoso

Noeli Tejera Lisboa

Orlando Bomfim Netto

Pedro Laurentino

Pedro Pomar

Pedro Rocha Filho

Pedro Serrano

Rafael Freire

Renan Honório Quinalha

Romildo Maranhão do Valle

Sérgio Ferreira

Suzana Keniger Lisbôa

Tatiana Merlino

Terezinha Souza Amorim

Thais Barreto

Togo Meirelles

Valter Pomar

Vera Cortês

Vivian Mendes

Walderes Nunes Loureiro

Yuri de Carvalho

Zilda de Paula Xavier Pereira

-As. dos Amigos do Memorial da Anistia Política do Brasil

-Casa Latino Americana - CASLA de Curitiba

-Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguacu

-Centro Cultural Manoel Lisboa

-Coletivo Catarinense Memória Verdade e Justiça

-Comissão da Verdade Memória e Justiça do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de Goiás

-Centro de Direitos Humanos do Rio Grande do Norte

-Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos

-Comitê Carlos De Ré da Verdade e da Justiça

-Comitê Catarinense Pró-Memória dos Mortos e Desaparecidos Políticos

-Comitê Goiano da Verdade, Memória e Justiça

-Comitê pela Verdade Memória e Justiça do DF

-Comitê pela Verdade Memória e Justiça - BA

-Comitê Memória Verdade e Justiça Campinas

-Comitê Memória Verdade e Justiça Ceará

-Comitê Memória Verdade e Justiça de Pelotas e região

-Comitê Memória Verdade e Justiça - Espírito Santo

-Comitê Direito Memória Verdade - Imperatriz/Ma

-Comitê Direito Memória Verdade - Paraíba

-Comitê Memória Verdade e Justiça - Pernambuco

-Comitê Memória Verdade e Justiça - Terezina/PI

-Comitê Paulista pela Memória Verdade e Justiça

-Fórum de Reparação e Memória do Rio de Janeiro

-Instituto de Estudos Políticos Mário Alves - Pelotas - RS

-Rede Social de Justiça e Direitos Humanos

-Sindicato dos Jornalistas da Paraíba


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