Folha de S. Paulo


Análise: Dilma deixou a defensiva, mas pode sair perdendo

No início das manifestações de rua no mês passado, o noticiário televisivo foi dominado durante mais de uma semana pelas imagens dos protestos em todo o país. O apresentador do "Jornal Nacional", da TV Globo, abandonou a sua rotina de acompanhar a seleção de futebol. O Brasil estava em chamas.

Nesse primeiro momento, os políticos ficaram estupefatos e em estado de catatonia, a maior parte do tempo paralisados. Ao ir à TV e falar por quase dez minutos em rede nacional (21.jun), a presidente saiu da defensiva.

Prazo legal e reação do Congresso põem plebiscito em xeque

Depois, ao propor cinco pactos para o país (24.jun), ela fez aquilo que mandam os manuais mais ortodoxos da política: ocupou o espaço e ofereceu promessas.

O sonho mais ousado proposto pela presidente foi o da reforma política. Fazer em poucas semanas algo que os políticos nunca conseguiram empreender nas últimas décadas. Como se não bastasse, Dilma foi além: disse que o poder de fazer essa quase revolução estaria nas mãos dos eleitores, por um plebiscito.

Como em política não tem vácuo, Dilma ganhou projeção diante da inação de governadores, prefeitos e políticos em geral. Nos telejornais havia ainda muitas imagens de manifestações, mas sempre um bloco dedicado à presidente e suas propostas para o Brasil, com ela dizendo estar ouvindo as "vozes democráticas que saem e emergem das ruas".

Ontem, mais uma etapa dessa estratégia verborrágica foi cumprida. A presidente enviou ao Congresso mensagem sugerindo a realização do plebiscito da reforma política. O Tribunal Superior Eleitoral divulgou um comunicado no qual afirma, com outras palavras, que o Congresso deve aprovar a medida a jato, pois assim a consulta popular poderá ser feita.

Quem acompanha Brasília há algum tempo sabe que são mínimas as chances de sair um plebiscito a toque de caixa e no formato que Dilma deseja. Se sair, a possibilidade maior é que seja para aprovar medidas que não terão validade na eleição de 2014.

No momento, e se esse cenário menos auspicioso para o governo se cristalizar, a retórica do Palácio do Planalto será transformada numa mercadoria não entregue.

A presidente poderá pôr a culpa nos deputados e nos senadores, mas os congressistas responderão afirmando que Dilma teve um surto de bonapartismo querendo mandar no Poder Legislativo.

Há um grande ponto de interrogação no meio do caminho. Nos próximos dois ou três meses, haverá melhora da economia a ponto de os indignados das ruas se sentirem menos irritados? Se isso ocorrer, Dilma pode sair vencedora. Por enquanto, não há como fazer previsão científica a respeito, inclusive sobre como o Congresso vai se desvencilhar do plebiscito.


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