Folha de S. Paulo


Delfim diz que não se arrepende de ter assinado o AI-5

O economista e ex-ministro Antonio Delfim Netto disse nesta terça-feira (25) que não se arrepende de ter participado da elaboração do Ato Institucional nº 5, conhecido como AI-5, que endureceu a ditadura militar, suspendeu o direito de habeas corpus e instituiu a censura prévia.

"Se as condições fossem as mesmas e o futuro não fosse opaco, eu repetiria. Eu não só assinei o AI-5, como assinei a Constituição de 1988", disse o ex-ministro, que foi um dos signatários do ato, em dezembro de 1968.

Delfim prestou depoimento na manhã desta terça-feira (25) à Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo, que investiga crimes cometidos pela ditadura militar na capital paulista.

Ele foi ministro durante o regime militar, nos governos de Costa e Silva e Médici (Fazenda) e de João Baptista Figueiredo (Agricultura).

Avener Prado/Folhapress
O ex-ministro Delfim Netto durante depoimento à Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo
O ex-ministro Delfim Netto durante depoimento à Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo

No depoimento, Delfim disse que nunca apoiou a repressão, mas que o AI-5 foi necessário porque o país "estava num estado de desarrumação geral". Ele respondeu com serenidade todas as questões dos vereadores.

Segundo o ex-ministro, havia planos de promulgar uma nova Constituição e realizar uma eleição em setembro de 1969, restabelecendo o Estado de direito, o que não teria ocorrido porque o então presidente Costa e Silva sofreu um derrame cerebral uma semana antes da assinar a emenda constitucional que extinguiria o AI-5.

Após o derrame, Costa e Silva foi substituído por uma Junta Governativa Provisória, conhecida como Segunda Junta Militar.

Delfim Netto negou que soubesse de casos de tortura quando participou do governo durante o regime militar e afirmou que havia uma "completa separação" entre a administração pública e os setores militares.

"Eu nunca ouvi dentro do governo nada sobre tortura. Em 1972, eu ainda perguntei para o [então presidente] Médici: 'Existe isso?', ele disse que não, que o que existia eram os conflitos de rua", disse.

O ex-ministro também negou ter informações sobre empresas que teriam financiado a repressão durante a ditadura militar.

"Eu não tenho nenhuma ideia se alguém financiou isso do setor privado. Eu nunca tive conhecimento disso. Não tinha nenhuma ligação entre o governo e esse processo", disse o ex-ministro. "Não tinha nenhuma relação entre os ministérios militares e os ministérios civis."

Segundo Delfim, "o empresariado não tinha nenhuma relação na política na época".

"O empresariado tinha a sua opinião, mas não se ouvia a opinião das empresas para fazer política. Talvez tenha sido isso que gerou o crescimento", disse o ex-ministro, apontado como um dos responsáveis pelo chamado "milagre econômico brasileiro" -período, no início dos anos 70, quando país teve altas taxas de crescimento.

Delfim afirmou ser contra a revisão da Lei da Anistia, que assegura a não punição por crimes cometidos durante a ditadura. "Eu votei pela Anistia. Foi um acordo dentro do Congresso", disse.

CETICISMO

Vereadores membros da comissão municipal e parte da plateia que assistiu ao depoimento de Delfim receberam com ceticismo as respostas do ex-ministro, apontado como um "homem forte" do governo militar.

O presidente da comissão, vereador Gilberto Natalini (PV), disse não acreditar que Delfim não tivesse conhecimento sobre fatos importantes da repressão.

"É muito difícil a gente poder aceitar que o senhor, no cargo que estava, não tinha conhecimento de pessoas que estavam sofrendo aquela situação", disse o vereador para o ex-ministro ao fim do depoimento.

"Eu tenho muita dificuldade de acreditar que o governo militar era tão disciplinado que a principal figura civil, inclusive uma das únicas presentes no Conselho Nacional de Segurança, ignorava que vivíamos a tortura que vivíamos, a repressão que vivíamos, a perseguição a estudantes, o desaparecimento de políticos e de pessoas", disse o vereador Ricardo Young (PPS).

"Se nós tomarmos tudo que o senhor falou aqui como verdade, eu acho que essa comissão estará ajudando a obscurecer a história e não esclarecê-la", completou o vereador.

"Como é que ele não sabia das coisas que estavam acontecendo? Não é possível que um ministro daquela época não soubesse o que estava rolando no país. Esse depoimento não abriu muitas perspectivas", disse Clara Charf, viúva do militante comunista Carlos Marighella.

AUDIÊNCIA

Ontem, familiares de vítimas da ditadura pediram uma audiência com a presidente Dilma Rousseff para apresentar críticas aos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade e reivindicar uma reestruturação do grupo.

O pedido foi apresentado durante reunião da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, que representam as vítimas da ditadura militar, com dois membros da Comissão da Verdade, em São Paulo.

No encontro, os familiares fizeram uma série de críticas ao colegiado, instalado em maio do ano passado para apurar violações de direitos humanos cometidas pelo Estado no período de 1946 a 1988, que inclui a ditadura militar (1964-1986).

Sergio Lima/Folhapress
Rosa Maria Cardoso, coordenadora da Comissão Nacional da Verdade
Rosa Maria Cardoso, coordenadora da Comissão Nacional da Verdade

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