Folha de S. Paulo


Imprensa estimula moralismo que gerou protestos, diz Carvalho

O ministro Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) atribuiu nesta sexta-feira (21) à imprensa o papel de estimular "um tipo de moralismo" que resultou nas recentes manifestações pelo país.

A fala foi durante evento de organização da Jornada Mundial da Juventude, que acontecerá no mês que vem, no Rio de Janeiro.

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O discurso, então aberto somente a cinegrafistas, foi divulgado na íntegra no início da tarde desta sexta. Na mesma ocasião, o ministro afirmou que os protestos pelo país podem afetar o evento, mas disse que o governo está "atento" às demandas dos manifestantes.

Depois, disse que o país vive um momento "muito particular" e que a classe política, que "paga o preço por isso", deve ter "autocrítica".

"É verdade que a classe política paga o preço por isso. Mas é verdade também que um certo tipo de abordagem, de estímulo ao longo do tempo e a imprensa teve um papel nesse sentido de estimular um tipo de moralismo no sentido despolitizado e um tipo de antipolítica que leva a isso que está acontecendo também", disse.

"Então também aqueles que o tempo todo verbalizaram esse tipo de posição tem responsabilidade por esse aspecto destrutivo que está aí e não adianta virem agora celebrar só a manifestação e não se darem conta que também são responsáveis por isso que está ocorrendo", completou o ministro.

Segundo Carvalho, "não há democracia sem partido" e os gritos contra eles são um "grande pedido".

"Quando se grita 'sem partido', nós vemos aí um grande pedido. E não há democracia sem partido. Não há democracia sem uma forma mínima de instituição. Sem partido, no fundo, é ditadura. Temos de ficar muito atentos a isso. Então, é um momento de celebrar e, ao mesmo tempo, é um momento de apreensão e de convidar a sociedade para que haja uma disputa pela democracia de verdade, que se faça representar por partidos que, de fato, representem o povo e que não compactuem com a corrupção", disse o ministro.

OUTRO LADO

Órgãos que representam a imprensa rechaçaram nesta sexta-feira (21) as declarações do ministro.

Para o presidente da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), Maurício Azêdo, a fala de Gilberto Carvalho reflete uma má interpretação do momento atual.

"É mais uma declaração desastrada e sem fundamento de um membro do governo que faz uma avaliação muito superficial da situação, não compreende a gravidade do momento que o país vive, não capta o teor e a mensagem das manifestações de milhões de brasileiros e chega a proferir esses juízos sem o menor fundamento", disse Azêdo.

"Ele [Gilberto Carvalho], na verdade, ignora que os meios de comunicação, de modo geral, têm refletido a insatisfação da população a atos desastrosos do governo como essa orgia de aplicação de dinheiro público na Copa das Confederações, na Copa do Mundo e em projetos que não atenderem ao interesse público", disse.

O presidente da ANJ (Associação Nacional de Jornais), Carlos Lindenberg Neto, lamentou as declarações do ministro.

"[As palavras do ministros] revelam um profundo desconhecimento do papel desempenhado pela imprensa numa sociedade democrática, além de conterem uma interpretação equivocada da natureza das manifestações populares desses últimos dias", disse.

Na opinião dele, os jornais brasileiros estão cobrindo as manifestações "com profissionalismo e isenção, e sobretudo correndo riscos, como revelam as agressões a equipes de reportagem e os ataques a seus veículos e instalações".

O jornalista Marcelo Moreira, presidente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), disse que, neste momento, ainda é difícil fazer qualquer tipo de avaliação do que está acontecendo, mas que "responsabilizar a imprensa parece uma tentativa de transferir responsabilidades".

"O ministro infelizmente deu uma demonstração grande da falta de demonstração do que o país está vivendo. Quando ele atribui esse fenômeno à imprensa, ele primeiro demonstra não conhecer o papel dela, que sempre foi de informar a sociedade sobre o que vem acontecendo no país e no mundo à sua volta, com imparcialidade".

PROTESTOS

Mesmo após a redução em série das tarifas de ônibus, principal reivindicação dos protestos que tomaram conta do país, novos atos levaram mais de 1 milhão de pessoas às ruas em cerca de cem cidades. Hoje há previsão de atoes em cerca de 60 municípios.

No 14° dia de manifestações, cenas de violência e vandalismo foram registradas em 13 das 25 capitais, que tiveram protestos. Ocorreram ataques ou tentativas de invasão a órgãos dos Três Poderes em nove cidades. Ações de repúdio a partidos políticos foram recorrentes.

Em Brasília, que contabilizou mais de 50 feridos, um grupo quebrou os vidros do Palácio do Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores e houve princípio de incêndio. Dois ministérios foram pichados, e o Banco Central teve vidraça danificada.

"Foi um ato de vandalismo que não pode se repetir. Eu conclamaria a todos os manifestantes que observassem a calma e que respeitassem o patrimônio da nação", disse o chanceler Antonio Patriota à rádio CBN. "Fiquei muito indignado com o que ocorreu."

No Rio, o protesto reuni 300 mil pessoas e terminou num grande confronto que se espalhou pelo centro e terminou com mais de 60 feridos. Agressores chegaram a atacar um veículo blindado da Polícia Militar, conhecido como "caveirão".

Em Ribeirão Preto (313 km de São Paulo), pelo menos 25 mil pessoas foram às ruas na quinta-feira (20) para protestar. O estudante Marcos Delefrate, 18, morreu após ser atropelado por um carro que furava um bloqueio de manifestantes --a primeira morte desde que começou a escalada de protestos, há duas semanas. Outras três pessoas ficaram feridas, uma delas em estado grave. O motorista está foragido.

Em São Paulo, a comemoração pela redução da tarifa, de R$ 3,20 para R$ 3, foi marcada por hostilidades de manifestantes contra membros de partidos políticos como PT, PSOL e PSTU. A multidão gritava "fora, partidos, vocês querem o povo dividido". Os petistas, o maior grupo, deixaram o ato.

O Movimento Passe Livre (MPL) emitiu nota no início da madrugada desta sexta-feira em repúdio aos atos de violência contra partidos políticos durante as manifestações. Às 20h, mais de 110 mil pessoas se reuniam na avenida Paulista, segundo o Datafolha.

Petistas foram expulsos do ato, que reuniu 110 mil pessoas às 20h, segundo o Datafolha.


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