Folha de S. Paulo


Disputa interna resultou na saída de Fonteles da Comissão da Verdade

Uma disputa interna resultou na saída de um de sete membros da Comissão Nacional da Verdade, Claudio Fonteles.

Membros do grupo afirmaram à Folha que a gota-d'água que levou Fonteles a tomar a decisão de sair foi a resistência de parte dos comissionários em trocar o secretário-executivo da comissão, Pedro Pontual, pelo diplomata André Saboia.

Cláudio Fonteles anuncia saída da Comissão da Verdade
Coordenadora da Comissão da Verdade lamenta saída de Claudio Fonteles

A troca, já realizada, foi um pedido da atual coordenadora do grupo, Rosa Cardoso, aliada de Fonteles, mas não era desejada pelo outro grupo, encabeçada por Paulo Sérgio Pinheiro e Maria Rita Kehl, mas também apoiado por José Carlos Dias e José Paulo Cavalcanti.

Eles argumentam que a interrupção da atual gestão era prejudicial ao pleno funcionamento dos trabalhos. O acordo anterior era que o colegiado, não o coordenador sozinho, é quem escolheria o secretário-executivo.

Apesar de ter tido o pleito atendido, Fonteles viu na resistência à mudança o último capítulo de um racha entre os dois grupos, que se arrasta há meses.

Anteontem, ele entregou sua carta de demissão ---alegando motivos pessoais.

Alan Marques/Folhapress
Claudio Fonteles, que saiu da Comissão Nacional da Verdade nesta terça-feira (18)
Claudio Fonteles, que saiu da Comissão Nacional da Verdade nesta terça-feira (18)

A principal divergência interna se refere à divulgação constante dos trabalhos da comissão (como querem Fonteles e Rosa) e o de só tornar público qualquer resultado ao final do comissionado.

Dentro dessa polêmica está a realização dos depoimentos públicos de envolvidos em violações aos direitos humanos na ditadura militar (1964-1985).

Essa oposição vinha sendo minimizada publicamente por Pinheiro. Ele chegou a chamá-la de "piada". No entanto, integrantes dos dois grupos se acusam nos bastidores de tomar o comando do grupo.

Um outro membro, também ouvido ontem pela reportagem sob a condição do anonimato, disse que a saída de Fonteles pegou a todos de surpresa. Para este membro, na verdade não está clara a causa da saída.

Segundo ele, há meses Fonteles ameaçou sair, quando os colegas se opuseram à divulgação de uma série de textos em que ele analisa alguns documentos produzidos pelo Estado ditatorial. Os textos acabaram publicados e Fonteles continuou.

"Considerei que a minha missão na Comissão está terminada. Envolvi-me nessa missão produzindo textos -- 150 páginas escritas para debater com a sociedade. Tenho que certeza que aquele que vier para o meu lugar continuará na trilha da luta permanente pela democracia para que nunca mais aconteça a ditadura no nosso país", afirmou ontem o demissionário à Folha.

Todos os membros ouvidos disseram que a saída dele terá efeito negativo sobre os trabalhos do grupo, já alvo de ceticismo por parte de integrantes do governo e de familiares e vítimas do governo militar.

O principal temor é que o colegiado, por erros de gestão, não conseguirá, mesmo com seu prazo de funcionamento esticado para até o final de 2014, cumprir sua missão primordial: narrar em detalhes cada uma das mortes, torturas e desaparecimentos ocorridos no regime militar. O grupo diz que tentará sim elucidar todos os casos.

Sem Fonteles, que já estava afastado dos trabalhos nas últimas semanas, a comissão fica na prática com cinco membros. Isso porque Gilson Dipp, que recupera-se de graves problemas de saúde, saiu e seu substituto não foi ainda escolhido. Cabe à presidente Dilma Rousseff escolher os novos nomes.


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