Folha de S. Paulo


Membro da Comissão da Verdade diz ser contra recomendar punição de torturadores

O ex-ministro José Carlos Dias, um dos sete integrantes da Comissão Nacional da Verdade, afirmou à Folha que discorda de seus colegas e avalia que o colegiado não deve recomendar a responsabilização de agentes públicos que mataram e torturaram pessoas durante a ditadura militar (1964-1985).

"O objetivo da comissão não é punitivo. Nós não podemos fazer apurações objetivando a responsabilização penal. Eventualmente, os fato apurados pela comissão poderão ser objeto de uma ação do Estado. Mas não cabe à comissão fazer esse tipo de recomendação", afirmou o advogado.

Comissão da Verdade fala em rever Lei da Anistia, mas ministro se opõe

Hoje, todos os crimes cometidos pelo Estado durante o regime são cobertos pela Lei da Anistia, de 1979. Essa interpretação foi confirmada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em 2009.

Karime Xavier/Folhapress
José Carlos Dias (à esq.), da Comissão da Verdade
José Carlos Dias (à esq.), da Comissão da Verdade

"O dever da comissão é reescrever a história, com o sentido de 'nunca mais [repetir o que ocorreu]', e assim definindo as responsabilidades e autorias das violações aos direitos humanos praticados. [Mas] nós estamos diante de um fato concreto. Há uma decisão do Supremo reconhecendo que a anistia atingiu a todos, e portanto nós não podemos atuar contra essa decisão do Supremo."

A opinião de Dias, ex-ministro da Justiça, mostra um dissenso sobre a questão dentro do grupo.

Na terça-feira (21), Rosa Cardoso, atual coordenadora do colegiado, e Paulo Sérgio Pinheiro, que também ocupou a função, voltaram a se dizer favoráveis à punição dos envolvidos nas graves violações dos direitos humanos --conforme, por exemplo, determinou sentença de 2010 da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) sobre o caso da Guerrilha do Araguaia.

Claudio Fonteles, outro membro, não foi ao evento de ontem, mas também quer a responsabilização.

"Nós não estamos inventando nada quando dizemos que é da natureza da Comissão da Verdade aceitar os princípios internacionais dos direitos humanos. Nesses princípios, os crime de lesa-humanidade são crimes imprescritíveis. As autoanistias, dentro do direito internacional, não valem. Se nós estamos de acordo com isso nós vamos ter sim que recomendar que esses casos sejam judicializados pelo direito interno", disse Cardoso, durante evento de um ano da comissão.

Ela lembrou que não cabe, no entanto, "fazer um projeto de lei para rever a Lei de Anistia", "fazer parte do movimento social que precisa apoiar uma mudança desse tipo" ou "sugerir à presidente da República os nomes de ministros [do Supremo], porque a mudança pode vir também por aí, por uma nova composição do Supremo [que pode eventualmente reavaliar a questão]".

O papel da comissão, disse, seria apenas recomendar algum tipo de responsabilização --e nem o formato exato dessa eventual recomendação é hoje certo. O grupo tem ainda um ano e meio para discutir esse ponto. Isso porque a data para a apresentação de seu relatório foi prorrogado para o final de 2014. Apesar de seu peso político, a recomendação não terá que obrigatoriamente ser cumprida.

Dias acha que a discussão não voltará ao STF. "Não é normal [o STF reanalisar a questão]. Não acredito [que isso ocorrerrá]."


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