Folha de S. Paulo


'É um grande primeiro passo', diz filho de Jango sobre exumação do pai

O filho do ex-presidente João Goulart (1961-1964), cujo cadáver pode ser exumado nos próximos meses, disse que a medida é "um grande primeiro passo" para esclarecer as causas da morte de seu pai.

"Foi uma luta muito grande", afirmou à Folha João Vicente Goulart, 56, que preside o Instituto João Goulart. Segundo ele, desde 2006 a família pede ao Ministério Público Federal que investigue o episódio.

TRAJETÓRIA DE JANGO
1918
Nasce João Goulart em São Borja (RS)
1947
Com o apoio de Getúlio, é eleito deputado estadual
1960
É eleito vice de Jânio Quadros
1961
Com a renúncia de Jânio, Jango toma posse, mas sob regime parlamentarista. Em 1963, recupera os poderes
1964
É deposto pelos militares e se exila no Uruguai
1973
É convidado pelo presidente argentino, Juan Perón, para lhe ajudar a expandir as exportações de carne em Buenos Aires
1976
Ameaçado por terroristas de direita, Jango deixa Buenos Aires e vai para Mercedes, onde morre. Foi enterrado em São Borja (RS)

Jango, deposto no golpe militar de 1964, morreu durante seu exílio na Argentina, em 1976, de ataque cardíaco. A família do ex-presidente, porém, suspeita que ele tenha sido envenenado. Seu corpo está enterrado no cemitério de São Borja (RS).

A hipótese de assassinato surgiu quando um ex-agente da ditadura uruguaia, Mário Barreiro, afirmou numa entrevista, em 2006, que participou da operação para matar o ex-presidente.

Segundo ele, Goulart foi morto com a ingestão de uma cápsula envenenada, misturada aos remédios que ele tomava diariamente contra problemas cardíacos. O denunciante confirmou os fatos num depoimento à Polícia Federal, em 2008.

"Nós ficamos estupefatos", conta o filho do ex-presidente. "Jango é um bem cultural e imaterial da nação brasileira, e é uma obrigação do Estado brasileiro fazer essa investigação."

ETAPAS

A exumação será feita pelo Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul, em parceria com a Comissão Nacional da Verdade, e foi confirmada numa reunião entre os órgãos no dia 24 de abril.

Segundo a procuradora da República Suzete Bragagnolo, o procedimento integra a investigação solicitada pela família, em 2006, que ainda está em andamento e apura a responsabilidade civil pelo caso. O inquérito criminal foi arquivado porque o crime de homicídio prescreveu, de acordo com a lei brasileira.

A Procuradoria ainda vai definir se o pedido de exumação pode ser feito administrativamente, por uma solicitação ao cemitério de São Borja, ou precisa ser encaminhado à Justiça. Isso vai depender do que diz a legislação municipal da cidade em que Goulart está enterrado.

A família já concedeu a autorização para a exumação, mas fez algumas exigências, como o acompanhamento de todo o processo e a participação de peritos argentinos na autópsia.

Na Argentina, a morte do ex-presidente também está sendo investigada pela Justiça, só que criminalmente, já que o caso foi considerado imprescritível.

Além da Argentina, o governo do Uruguai, segundo Bragagnolo, também será convidado a participar da exumação. "São governos interessados a esclarecer os fatos da Operação Condor [aliança entre ditaduras da América do Sul]", diz a procuradora.

TÉCNICA

Segundo a área técnica da Polícia Federal, consultada especificamente sobre o caso, o resultado da exumação vai depender muito do estado em que o corpo se encontrar e do tipo de substâncias supostamente utilizadas para envenenar Goulart.

"Existe uma possibilidade de descobrir algo? Existe. Mas também existe uma boa possibilidade de o laudo ser inconclusivo", comenta Bragagnolo. "O importante é fazer esse resgate da história do país."

Nas próximas semanas, o Ministério Público Federal irá definir a equipe de peritos que conduzirá a análise e os reagentes químicos a serem utilizados.

"Seria muito lamentável e doloroso não investigarmos a morte de um ex-presidente", afirma João Vicente, que atribui o andamento do caso à "pressão" feita pela Comissão Nacional da Verdade e pela ministra Maria do Rosário (Direitos Humanos).

O inquérito hoje em andamento no Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul chegou a ser arquivado em 2011, por ter se mostrado "inconclusivo", mas seu desarquivamento foi ordenado pela Procuradoria da República em Brasília no ano seguinte.

abr.1964/Arquivo Pessoal
João Goulart, em seu exílio no Uruguai, é fotografado pela mulher, Maria Thereza
João Goulart, em seu exílio no Uruguai, é fotografado pela mulher, Maria Thereza

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