Folha de S. Paulo


Moradores do assentamento Milton Santos invadem Instituto Lula em SP

Cerca de cem pessoas ameaçadas de despejo do assentamento Milton Santos invadiram por volta das 6h30 desta quarta-feira (23) o Instituto Lula, no Ipiranga, zona sul de São Paulo.

Segundo representantes do assentamento, o grupo quer fazer com que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva interceda por eles junto à presidente Dilma Rousseff para que assine um decreto de desapropriação por interesse social, para encerrar disputas pela propriedade da área.

Os moradores do assentamento, localizado entre Americana e Cosmópolis (interior de SP), foram notificados por um oficial de Justiça a desocuparem a área até o dia 30 deste mês. O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) também já foi notificado sobre a medida.

Eles pretendem ficar no local até que a solicitação seja atendida. Os manifestantes ocuparam a sede do instituto após abordarem o caseiro no início da manhã. Não houve confronto na entrada do prédio.

A entrada é controlada e apenas integrantes do movimento têm acesso ao prédio. Parte dos assentados está dentro das salas do instituto e há alguns na entrada do edifício.

Duas viaturas da polícia estão paradas em frente à sede, mas não foi feita nenhuma ação.

Para o advogado das famílias assentadas, Vandré Paladini Ferreira, este é mais um ato de protesto que o grupo tem feito pela emissão do decreto. Segundo ele, os assentados escolheram um Instituto Lula pela "influência do ex-presidente".

"Embora não seja parte oficial do governo, a gente sabe do poder de liderança política e da influência que ele tem no governo e do histórico de ter-se feito como uma pessoa que sempre lutou pelo direito dos trabalhadores", disse Ferreira.

O grupo diz que ainda não teve resposta de Lula. Os manifestantes também afirmam que fizeram uma reunião nesta manhã com o presidente do instituto, Paulo Okamotto, mas que não houve avanços.

Ainda segundo o advogado, os assentados temem que ocorram "um novo Pinheirinho". Em janeiro do ano passado, a reintegração de posse de um terreno, chamado de Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), foi marcado por confrontos com a polícia.

"Todas as famílias estão dispostas a resistir até as últimas consequências. Se a usina reintegrar aquilo ali, ela vai plantar cana em cima de cadáveres", diz o advogado.

Uma das manifestantes, Roseane dos Santos, 29, vive no assentamento com três filhos e o marido. Ela diz que o clima é de tensão e desespero e que a demora do governo em tomar uma atitude praticamente obrigou o grupo a iniciar a ocupação. "Como fomos assentados no mandato do Lula, ocupar o instituto dele foi a escolha para fazer pressão."

Desde a tarde de ontem (22), outros representantes do assentamento fazem greve de fome em frente à Secretaria da Presidência da República em São Paulo.

No último dia 15, outras 120 pessoas invadiram a sede do Incra, na região central de São Paulo, e impediram a entrada de funcionários no local.

A área onde está instalado o assentamento era de propriedade do grupo Abdalla, mas na década de 70 foi tomada para o pagamento de dívidas com a União.

O imóvel está registrado em nome do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) que, em 2005, cedeu a terra ao Incra para o assentamento.

Uma ação da Justiça reconheceu um excesso na cobrança da União sobre o grupo e determinou devolução de bens confiscados acima do devido.

Em outra ação do Incra contra a Usina Ester, que ocupava a área antes das famílias do assentamento, a Justiça Federal entendeu que o imóvel foi readquirido pelo grupo Abdalla, o que gerou a determinação de retirada das famílias.

Leia abaixo a íntegra do comunicado do assentamento sobre a ocupação:

Chegamos a uma situação limite.

Somos 68 famílias que, depois de anos e anos de luta, fomos assentadas num terreno de 104 hectares localizado entre os municípios de Americana e Cosmópolis. Este terreno pertenceu à família Abdalla, ricos empresários que perderam o a área durante a ditadura militar por dívidas trabalhistas.

Em 2006, o presidente Lula e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) nos instalaram no Sítio Boa Vista. Desde então, para a consolidação deste assentamento, depositamos tudo o que tínhamos: nosso trabalho e nossa vida na produção de alimentos saudáveis, sem o uso de agrotóxicos. Passamos por inúmeras dificuldades para produzir. Mesmo assim, passo a passo, conseguimos estabelecer parcerias com mais de 40 entidades e escolas através do Programa Doação Simultânea. E, hoje, temos orgulho de dizer que somos uma comunidade que fornece mais de 300 toneladas de alimentos para a região metropolitana de Campinas.

Após consolidarmos nossas vidas nesta terra com o suor de anos de trabalho e dedicação, recebemos em maio de 2012 a notícia de que a família Abdalla, aliando-se à Usina Ester, havia recuperado as terras na justiça e ganho o seu direito de posse. A justiça federal, então, emitiu um aviso ao INCRA de que deveríamos ser retirados em prazo determinado, caso contrário, haveria a reintegração de posse do terreno.

O INCRA moveu vários recursos em vão. Realizamos audiências com os representantes do órgão, que afirmavam que não sairíamos do assentamento e que, se fosse preciso, seria assinado o decreto de desapropriação por interesse social. Fizemos reunião com representantes do governo federal; e estes também garantiram que o problema seria resolvido, sem que precisássemos deixar nossas casas. No entanto, o tempo passou e nada mudou. Ao contrário, para a nossa aflição, aproxima-se a data em que assistiremos à destruição do esforço de toda uma vida: nossas casas, nossas plantações, nossos sonhos.

Sabemos que todas as possibilidades jurídicas já foram esgotadas e que o destino de nossas famílias depende, isto sim, da vontade política de quem pode decidir. Também sabemos que não nos resta outra alternativa senão um grito de apelo.

Lembramos que há exatamente um ano, em um quadro bastante semelhante, 1600 famílias foram brutalmente despejadas da área do Pinheirinho. Um representante político como Lula, que agora tem a honra de batizar uma instituição que zela pelo "exercício pleno da democracia e a inclusão social", não pode permitir que uma situação dessas se repita.

Lula foi o Presidente da República que, em 2006, assinou a concessão do terreno do Assentamento Milton Santos para fins de reforma agrária. Todo processo ocorreu com o seu conhecimento e do órgão do governo federal responsável pelo assunto, o Incra.

Confiamos que o peso de sua figura política seja capaz de interceder em favor de nós, assentados, e estabelecer um diálogo mais direto com a presidente Dilma Rousseff, para que esta se disponha a nos receber pessoalmente em uma audiência e assine o decreto de desapropriação por interesse social.


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