Folha de S. Paulo


Associação médica comenta reportagem sobre cirurgia facial

Em respeito à reportagem Estudos médicos questionam banalização de cirurgia facial, a Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (ABORL-CCF) em conjunto com seus Departamentos de Medicina do Sono e Cirurgia Crânio-Maxilo-Facial vem a público esclarecer fatos relevantes.

A Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) é uma doença crônica que tende a agravar com o avançar da idade. Atualmente é considerada fator de risco para doenças cardiovasculares, como hipertensão arterial, doença coronariana, acidentes vasculares cerebrais, arritmia cardíaca e infarto agudo do miocárdio, além de aumentar o risco para acidentes automobilísticos e causar prejuízo a qualidade de vida.

Esta doença apresenta uma grande prevalência na população mundial, chegando a cerca de 30% em estudos recentes realizados na população de São Paulo. Por isso, no mundo todo, vários trabalhos vêm sendo realizados anualmente buscando detalhar cada vez mais as causas e as melhores opções de tratamento da doença para evitar estas complicações que podem ser fatais.

O melhor entendimento da doença e seu impacto na qualidade e expectativa de vida dos pacientes, chamou atenção das especialidades médicas, que em conjunto com a Associação Médica Brasileira (AMB), motivou a criação de uma área de atuação em Medicina do Sono interdisciplinar, incluindo a pneumologia, a otorrinolaringologia, a psiquiatria, a neurologia e a clinica médica, objetivando capacitação profissional especializada. Deste modo, a cada ano, mais pacientes passaram a ser diagnosticados e tratados.

No Brasil, a Associação Médica Brasileira (AMB) e Conselho Federal de Medicina (CFM), em uma ação conjunta, criaram o Projeto Diretrizes. São protocolos de auxílio à decisão médica que, na prática, representam padronizações de conduta que auxiliam o manejo dos pacientes e tem como base as melhores evidências cientificas disponíveis. Devido à importância da SAOS, duas diretrizes foram elaboradas em conjunto pela Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial, Academia Brasileira de Neurologia, Sociedade Brasileira de Cardiologia, Sociedade Brasileira de Pediatria e Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Esses textos podem ser encontrados em:
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Estes artigos são extremamente bem elaborados e fundamentados, detalhando diretrizes tanto para o diagnóstico quanto para o tratamento da SAOS. Especificamente sobre o tratamento, as diretrizes abordam as opções não-cirúrgicas (aparelhos de pressão positiva em via aérea - CPAP, aparelhos intraorais de avanço mandibular e medidas comportamentais) e cirúrgicas (cirurgias nasais, faríngeas e esqueléticas da face).

Os procedimentos esqueléticos faciais ocupam espaço importante no arsenal terapêutico dos Distúrbios Respiratórios do Sono. O avanço maxilo-mandibular (AMM) é um tratamento cirúrgico que se diferencia da cirurgia ortognática, tendo como objetivo anteriorizar ("puxa para frente") os tecidos da faringe ligados à maxila, mandíbula e hioide (por exemplo, língua e palato mole) para estruturalmente ampliar toda a via aérea superior, além de aumentar o tônus ​​da musculatura dilatadora da faringe (por exemplo, tensor do véu palatino e genioglosso). Segundo dados da literatura, excluindo-se a traqueostomia, o AMM é o mais bem sucedido tratamento cirúrgico para a SAOS. Estudos demonstram que a eficácia do AMM, pode ser semelhante aos aparelhos de pressão positiva.

Reproduzimos aqui o texto da diretriz sobre a indicação do AMM na SAOS: "O tratamento cirúrgico do esqueleto facial está indicado em pacientes com SAOS grave que não tenham adaptado ao CPAP ou não tenham apresentado resposta terapêutica aos AIO (aparelhos intra-orais) de avanço mandibular, independentemente de apresentarem ou não alteração crânio-facial, pois a melhora de IAH (índice de apnéia e hipopnéia), redução do ESE (Escala de Sonolência de Epworth) e diminuição do IMC (índice de massa corporal) são semelhantes entre o tratamento cirúrgico e o CPAP."

As principais contra-indicações relativas para o AMM são pacientes com obesidade classe III (IMC ≥ 40kg/m2), idade avançada (> 65 anos de idade), doenças neurológicas ou musculares que afetem a função respiratória e co-morbidades clínicas que impossibilitem ou aumentem o risco para uma cirurgia de grande porte.

Como toda cirurgia, o AMM também apresenta riscos e complicações, sendo raras as complicações graves. Dentre as complicações mais frequentes, podemos citar parestesias (dormências), alterações de mordida e infecções.

Neste cenário, se caracterizaram fatores que afetam a decisão dos cirurgiões na seleção de procedimentos para o tratamento da SAOS. Este processo leva em consideração não somente a história do paciente, exame físico e endoscópico, entre outras avaliações relacionadas ao padrão obstrutivo, mas também o nível de evidência científica, a experiência pessoal da equipe interdisciplinar e preferências do paciente.

Por fim, todo paciente com diagnóstico de SAOS deve ser avaliado por um médico especialista com treinamento em Medicina do Sono, comprometido com o resultado da abordagem, que orientará o paciente sobre as opções de tratamento para o seu caso. Caso a opção escolhida conjuntamente pelo médico, paciente e a família, seja o tratamento cirúrgico por AMM, todos os cuidados devem ser tomados para que o resultado seja o melhor possível e com os menores riscos para o paciente.

Katherine C. Cohen/Boston Children's Hospital
Impressão em 3D utilizada para simulações pré-operações cranianas
Impressão em 3D utilizada para simulações pré-operações cranianas

RESPOSTA DA JORNALISTA CLÁUDIA COLLUCCI - Revisão da Cochrane (rede de cientistas independentes que avalia a efetividade de tratamentos) diz que faltam estudos que comprovem que a cirurgia seja a melhor solução para casos de apneia do sono. Por isso, a diretriz americana só a recomenda em casos graves, conforme consta na reportagem.

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