Folha de S. Paulo


'Protestamos contra tudo, ou seja, nada reivindicamos', critica leitora

Protestamos contra tudo, ou seja, nada reivindicamos. Apenas o direito de deixar sair o ócio infinito a que nos dedicamos a vida toda. Permitir que escape a falta de educação, de formação, de alfabetização atávica a que somos submetidos desde sempre. Autorizar que escorra por entre os cartazes e bandeiras a ausência de perspectivas pela qual optamos logo de início.

Saímos à rua no horário comercial porque nada nos impede. E nos tornamos empecilho a todos os outros cujo trabalho impede que saiam. Fomentamos o caos da maior cidade, pois nela não nascemos, não crescemos e mantemos mera relação de sanguessugas de um ouro que nem existe mais. Por vingança, formamos a passeata sem ideal pois seus motivos são sórdidos. Camuflamos assim que nada queremos fazer para mudar e que nos é bem-vindo um pretexto --alheio, claro-- de seis reais mensais. Quantia essa que despendemos diariamente em causas bem menos nobres.

Gritamos e depredamos o bem público, pois além dele não nos pertencer e dele fazermos nenhum uso, pouco se nos dá o dia seguinte dos passageiros, transeuntes, usuários. O nosso tem melhores perspectivas em outras geografias onde a arruaça apenas começa a ser engendrada. E olhamos ironicamente os enormes engarrafamentos que se formam a nossa volta-- fugitivos, sem dúvida, pensamos--, porque hoje não estamos ali. E os nossos carros de marca descansam na garagem.

Contra a Tropa de Choque somos a tropa da elite entediada, que perdeu o bonde daqueles tempos do impeachment e sem a cara pintada, sem um inimigo em comum, sem a solidariedade --pois cumplicidade é coisa de ladrões-- e sem nenhum idealismo no coração camufla e confunde os poucos que realmente ali vieram para reivindicar condições mais justas de vida. E portanto desdenhamos reuniões com governantes já que não há nada a dizer.

Quem somos nós, afinal?


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