Folha de S. Paulo


CARLOS PEREIRA

O semipresidencialismo é uma boa alternativa para o Brasil? NÃO

Fabio Rodrigues Pozzebom/Agencia Brasil
Brasília,DF,Brasil 17.08.2017 - Palacio do Planalto iluminado nas cores da Espanha em solidariedade ao povo espanhol apos ataque em Barcelona (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agencia Brasil) ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
O Palácio do Planalto, sede do Executivo, em Brasília

PRESIDENCIALISMO MULTIPARTIDÁRIO NO DNA

Na distinção clássica de Arendt Lijphart, as democracias são divididas em duas grandes famílias: majoritária e consensual.

O sistema político do Reino Unido é o exemplo mais extremo do modelo majoritário, caracterizado pela concentração de poder no Executivo; bipartidarismo com regra eleitoral majoritária; governo unitário e centralizado; Parlamento unicameral; flexibilidade constitucional; e ausência de revisão judicial.

O modelo consensual, por outro lado, caracteriza-se pela partilha de poder por meio de governos de coalizão; equilíbrio entre o Executivo e o Legislativo; multipartidarismo com representação proporcional; federalismo; bicameralismo; Judiciário com poderes de revisão constitucional; e independência das instituições de controle e regulatórias.

O sistema político que emerge no pós-guerra no Brasil possui "código genético" fundamentalmente consensualista, com inúmeros pontos de veto. A consequência direta é um grau elevado de inclusão e representatividade.

Por outro lado, o processo decisório tende a ser moroso, com viés pró-statu quo, e o Executivo tende a enfrentar problemas de governabilidade.

O único elemento dissonante do modelo consensualista no Brasil é a existência de um Executivo muito poderoso, que, ao contrabalançar os elementos de consenso, exerce o papel de coordenador do jogo. Essa inovação institucional foi uma resposta do constituinte de 1988 às instabilidades da democracia brasileira no período de 1946 a 1964.

Nosso presidencialismo multipartidário, ao contrário do que se afirma, tem condições de gerar ordem e equilíbrio no sistema político, a despeito das crises e escândalos recentes. Para isso, três condições são necessárias: 1) um presidente constitucionalmente forte; 2) a existência de uma "caixa de ferramentas" institucionalizada com moedas de troca legais, capazes de atrair partidos e parceiros para sua coalizão através de negociações íntegras; 3) a presença de rede de instituições de controle e responsabilização, aptas para checar e estabelecer limites às ações do presidente.

O presidencialismo de coalizão, quando bem gerenciado, funciona como alternativa ao semipresidencialismo —sem a necessidade de criação de mais um ponto de veto formal, que teria o potencial de produzir ainda mais ruído ou desequilíbrio no sistema político.

Mesmo na forma mais branda de regime semipresidencialista, o premiê-presidencial, em que o presidente acumula menos poder em relação ao primeiro-ministro e ao gabinete, a própria existência de um presidente apenas como instância de veto (seja parcial ou total) seria mais um elemento de consenso dentro de um sistema já excessivamente carregado de artefatos consensualistas.

Os defensores do semipresidencialismo argumentam que a sua adoção no Brasil minimizaria a rigidez do presidencialismo que deriva do mandato fixo.

Não percebem que a América Latina e o Brasil têm se mostrado muito mais flexíveis na prática, pois presidentes podem ter seus mandatos abreviados quando suas administrações entram em colapso, diante de escândalos de variadas naturezas e quando cometem crimes de responsabilidade. Ou seja, impeachment tem se revelado a forma moderna de cortar a "cabeça do rei".

As pessoas querem que sistemas políticos funcionem bem, independentemente dos homens. O ativismo traduzido no desejo de alterar as regras o tempo todo tem como ideal um sistema político perfeito. A política é a atividade mais humana que há.

O Brasil fez ótimas reformas recentemente. Temos que esperar o tempo passar e as novas reformas maturarem. O semipresidencialismo não é remédio para os problemas que temos, mas desvio em relação ao que somos.

CARLOS PEREIRA é professor-titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape), da Fundação Getulio Vargas, e professor-visitante da Universidade Stanford (EUA)

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