Cena 1: Um grupo de crianças participa de um concurso de fantasias. Pais e mães esperam ansiosos a vez de seu filho desfilar. Antes do desfile, os genitores se aglomeram próximos à passarela para conseguirem os melhores ângulos das fotos. Algumas crianças vestem fantasias criativas, na tentativa de se destacarem; outras vestem fantasias padronizadas compradas em lojas de grandes estoques. Sendo um concurso, seria de esperar que apenas as melhores fantasias fossem premiadas. Não é o que acontece. Ao fim do desfile, o apresentador avisa que todas as crianças receberão medalhas. Assim, todos os pais e mães presentes poderão contar sobre o dia em que seus filhos ganharam uma medalha em um concurso de fantasias.
Cena 2: A empresa resolve incentivar seus funcionários e comunica que, a partir daquela data, eles serão avaliados, e o melhor funcionário do mês terá sua foto pendurada na entrada do estabelecimento. Os meses vão passando, e a empresa adota a prática de premiar cada um dos seus funcionários com a distinção, até que todos tenham sido premiados. Nenhum funcionário reclama, pois ser escolhido funcionário do mês possibilita a todos postar em suas redes sociais o "achievement".
Cena 3: No primeiro dia de aula, o professor avisa que a disciplina será desafiante e que as provas separarão os alunos competentes dos demais. Após o semestre letivo, a impressão que se tem é a de que o nível de genialidade de turma era brutal: nenhum aluno obteve nota inferior a 9 em nenhuma das avaliações. Todos os alunos terminaram o semestre com médias entre 9,5 e 10.
As cenas acima são exemplos de como eliminar do repertório de uma sociedade a ideia de competitividade. Competitividade, essa palavra que atormenta muitos brasileiros, pois sem ela não é possível atingir o sucesso em nenhuma área do conhecimento, especialmente quando a competição ocorre em escala global com participantes altamente qualificados buscando a vitória. Nessa competição, apenas os melhores ganham medalhas, e os demais batem palmas.
É difícil dizer em que momento a sociedade brasileira se convenceu de que bastava participar da competição para ganhar medalha.
Repete-se exaustivamente para as nossas crianças e jovens que "o importante é competir", como se fazer a inscrição para a competição bastasse para sermos rotulados como competentes, como pessoas qualificadas para a tarefa demandada, vencedores de fato.
Competir demanda esforço, preparação, tombos e retomadas (resiliência, no jargão atual dos negócios). Enquanto nos contentamos em simplesmente "fazermos número" na competição, despencamos nos mais variados rankings de competitividade, sejam aqueles referentes à competitividade de muitas das nossas empresas, qualidade de nossa educação, potencial de atração de profissionais estrangeiros qualificados, etc.
Ser competitivo é começar entendendo que, tanto na vida profissional de cada um de nós como na própria construção do futuro de um país, "o importante é vencer a competição".
Ao entendermos isso, fica fácil perceber a importância dos incentivos e sinalizações adequados para aqueles que estão sendo educados desde a mais tenra idade até os jovens que estão adentrando no mercado de trabalho ou nos primeiros anos de suas vidas profissionais.
Com os incentivos e exemplos errados, as crianças, os funcionários e os alunos citados nas cenas descritas acima estarão sendo vítimas de auto-engano ao concluírem que participaram de uma competição. E o que é pior: não aprenderão como se preparar para poder vencer competições e chegar ao sucesso, pois isso nunca lhes terá sido ensinado.
CESAR NAZARENO CASELANI é professor do Departamento de Contabilidade, Finanças e Controle da Fundação Getulio Vargas
PARTICIPAÇÃO
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