Folha de S. Paulo


editorial

O coerente Trump

David Ryder/Reuters
FILE PHOTO: People protest U.S. President Donald Trump's travel ban outside of the U.S. Court of Appeals in Seattle, Washington, U.S. on May 15, 2017. REUTERS/David Ryder/File Photo ORG XMIT: TOR335
Pessoas protestam em Seatle, nos EUA, contra medidas anti-imigração propostas por Donald Trump

O comportamento errático demonstrado tantas vezes faz de Donald Trump um líder que não raro contradiz sua equipe, quando não a desautoriza.

Tome-se o imbróglio sobre a suposta interferência russa nas eleições dos Estados Unidos. Num dia, ele diz confiar em seu serviço de inteligência; pouco depois, dá crédito à palavra de Vladimir Putin de que não houve nenhuma intromissão de Moscou —justamente o oposto do que as agências de espionagem concluíram.

Desentendimentos com seus comandados se tornaram rotina. Talvez o exemplo mais cristalino seja o do secretário de Estado, Rex Tillerson, frequentemente desacreditado por Trump em assuntos como o acordo nuclear com o Irã e a abordagem à Coreia do Norte. Já se fala abertamente em troca na condução da diplomacia americana.

Se tal vaivém atormenta assessores, há ao menos um campo em que o chefe da Casa Branca tem demonstrado nível de coerência irreparável —e assustado o mundo.

Trata-se da retirada dos EUA de grandes negociações ou pactos internacionais, sejam quais forem os temas em questão.

No último sábado (2), a missão americana nas Nações Unidas informou que não participará mais de reuniões para implementar a chamada Declaração de Nova York. Assinado por 193 países em 2016, o documento ambiciona coordenar políticas globais de proteção a migrantes e refugiados.

A justificativa, condizente com o discurso isolacionista adotado desde a campanha eleitoral republicana, reside na visão de que um acordo amplo poderia tirar a soberania do país em definir quem é bem-vindo ou não.

De nada adiantou a ressalva, feita por defensores do diálogo, de que nenhuma diretriz terá adoção obrigatória pelos governos.

Por motivos diversos, Trump também já anunciara a suspensão das contribuições a dois organismos da ONU: a Unesco, braço cultural da instituição, e o Fundo de População, responsável por elaborar políticas demográficas.

Na economia, Washington fechou as portas para a Parceria Transpacífico, e o presidente não esconde a intenção de desmontar o Nafta, tratado de livre-comércio com Canadá e México, que considera desfavorável aos americanos.

Eleitores de Trump seduzidos pelo mantra "América em primeiro lugar" decerto não podem se queixar do que tem feito o mandatário. As consequências de um aparente complemento ao slogan —"e só a América"—, no entanto, ainda estão por serem conhecidas.

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