Folha de S. Paulo


FERNANDO SEGOVIA

Delação, um monopólio inconveniente

Ueslei Marcelino/Reuters
New Director of Brazilian Federal Police, Delegate Fernando Queiroz Segovia Oliveira gestures during the handover ceremony for the new General Director of the Federal Police in Brasilia, Brazil, November 20, 2017. REUTERS/Ueslei Marcelino ORG XMIT: UMS9
O novo diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segovia, durante sua cerimônia de posse

A sociedade brasileira, hoje assombrada por sentimentos de insegurança desde o pacato interior até as grandes metrópoles, poderá, nesta semana, ser brindada com notícias que lhe venham a trazer maior tranquilidade.

A mais importante corte de Justiça brasileira, o Supremo Tribunal Federal, está na iminência de decidir, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5508, se há monopólio para recebimento e processamento da delação premiada ou da "colaboração premiada", como é tratada pela lei de combate às organizações criminosas (lei 12.850/13).

Pode-se imaginar que é mais um tema complexo de natureza técnico-jurídica, que não alcança diretamente o povo brasileiro nem tenha reflexos claros no dia a dia de quem vive nas diferentes realidades sociais de norte a sul do nosso país-continente; isso, no entanto, é uma falsa impressão.

A decisão vai causar impacto diretamente na celeridade e efetividade de investigação de milhares de casos de corrupção; lavagem de dinheiro; sequestros; crimes violentos; distribuição e comércio de drogas; furtos de residências; assaltos à mão armada; aplicação de recursos públicos e de ações planejadas pelo PCC (Primeiro Comando da Capital) e Comando Vermelho dentro e fora dos presídios brasileiros.

Desde o ato de instauração de um inquérito à infiltração policial, o exercício de atos investigativos sempre foi inerente à atividade técnico-jurídica policial, sob a supervisão de um órgão de controle externo e sob a égide constitucional de autorização judicial para as incursões que importem em mitigação de garantias e direitos individuais (reserva de jurisdição).

A assertiva de "legitimidade exclusiva" de uma instituição para "celebração de acordo de colaboração premiada" nos mostra como é atual a obra do grande filósofo francês Montesquieu (1689-1755).

Há quase 300 anos ("O Espírito das Leis", 1748) se fala e se estuda sobre a separação de poderes, a interdependência de funções, "checks and balances" (freios e contrapesos), enaltecendo-se controle e supervisão e criticando-se sobreposição de órgãos e superpoderes.

A Polícia Federal nunca buscou estabelecer penas, benefícios ou negociar perdão judicial com o investigado, mas tão somente receber a confissão qualificada do integrante da organização criminosa e investigar os dados, informações, atos e fatos fornecidos como meio de obtenção de prova, para identificar a maior quantidade criminosos, recuperar o produto do delito, descapitalizar o crime organizado e aprofundar a investigação.

A colaboração premiada como ferramenta de investigação policial segue um rigoroso padrão de análise e controle interno, cabendo lembrar que a instituição Polícia Federal serve à sociedade brasileira, não atende a interesses pessoais, políticos ou corporativos e conseguiu angariar a confiança de todos os segmentos sociais em razão de um trabalho duradouro, ético, técnico, transparente, imparcial e independente, sujeito aos mais diversos tipos de controle.

Não se pode escolher o que a polícia judiciária investigará, criar feudos nem limitar os meios de produção de prova que estão ao seu alcance, devendo a sociedade brasileira atentar para a perniciosa e sutil proposta de exclusão da delação premiada como importante ferramenta de trabalho da Polícia Federal e das polícias civis na luta contra o crime organizado.

O debate a respeito do papel dos órgãos públicos é, sem dúvida, inerente ao regime democrático e ao sistema de freios e contrapesos; portanto, amadurecidas as ideias, acredita-se que a capacidade e a legitimidade da Polícia Federal para firmar o acordo de delação premiada, assentadas em base constitucional e legal, também encontrarão o devido respaldo da nossa corte constitucional de Justiça, e novas operações Lava Jato se espalharão pelo país, com mais segurança jurídica.

FERNANDO SEGOVIA, 48, assumiu a direção-geral da Polícia Federal no mês passado

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