Folha de S. Paulo


editorial

Show de assédios

Lucy Nicholson/Reuters
People participate in a protest march for survivors of sexual assault and their supporters in Hollywood, Los Angeles, California U.S. November 12, 2017. REUTERS/Lucy Nicholson ORG XMIT: FFF-LUC29
Mulheres protestam contra assédio sexual em Hollywood, nos EUA

A lista de acusados de conduta sexual imprópria nos mundos do entretenimento, da comunicação e da política dos Estados Unidos não para de aumentar.

Para ficar em episódios recentes, o cânon da vergonha, aberto pelo megaprodutor Harvey Weinstein, denunciado por uma reportagem do jornal "The New York Times" no início de outubro, já conta com celebridades como Kevin Spacey, Dustin Hoffman, Ben Affleck, Oliver Stone, James Toback, Steven Seagal e Louis C.K.

A sucessão de denúncias tem aspectos positivos. Indica que passamos por uma mudança cultural e que agora se levam mais a sério os abusos cometidos contra mulheres. Mostra também que vítimas estão perdendo o medo de falar.

Não há, porém, como deixar de apontar a possibilidade de que se estejam cometendo injustiças, já que a onda de acusações muitas vezes coloca na mesma vala situações um tanto diferentes.

Há desde a imputação de crimes graves, como o estupro de menor, até abordagens inapropriadas, mas menos pesadas —um comentário de mau gosto, por exemplo.

Da mesma forma, há personagens que se revelam predadores seriais —Toback foi acusado por nada menos que 238 mulheres— e outros que se comportaram de modo indevido ocasionalmente.

Se é preciso dar atenção ao que diz a acusação, também é necessário ter cuidado para não desprezar a versão do acusado.

Muitas vezes, há diferença de percepções legítimas em jogo. O que para o proponente foi um convite de boa-fé pode soar como tentativa de chantagem para a vítima, especialmente quando existe desnível hierárquico entre os dois.

Não é trivial lidar com essas questões, mas convém que se tenha cautela para não tratar as mulheres como se elas fossem seres desprovidos de vontade e da capacidade de dizer "não" àquilo que não querem. Seria irônico se, meio século depois da revolução sexual, fosse o feminismo que negasse tal autonomia.

Outro ponto a observar é que virtudes morais e talento artístico são aspectos distintos. Alguém pode ser uma pessoa condenável, mas, ainda assim, ator magnífico. Daria motivo a quem não quisesse trabalhar com ele, mas não para que suas obras fossem banidas.

O Brasil, em que pesem alguns casos, ainda não aderiu à onda de denúncias contra figurões do show business. Num país com ampla e longeva indústria de entretenimento, entretanto, parece questão de tempo até que movimento semelhante se inicie por aqui.

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