Folha de S. Paulo


LOURENÇO GIMENES

Um debate sobre a paisagem urbana

Alberto Rocha/Folhapress
São Paulo, SP, Brasil, 08-11-2017: Vista do edifício Saint Paul, em construção no Itaim. (Foto: Alberto Rocha/Folhapress) **ESP MORAR**
Parque do Povo visto do empreendimento Saint Paul, no Jardim Paulistano

Uma eventual mudança no gabarito de prédios em São Paulo, como sugere a atual gestão municipal, é possível, sim. No entanto, esta é uma falsa questão e, sobretudo, inoportuna e encaminhada de uma forma ilegítima.

Frequentemente, confunde-se verticalidade e densidade de maneira contraproducente. O atual Plano Diretor acertadamente estabeleceu os chamados 'eixos', áreas onde há incentivo à densidade e mistura de usos.

Neles, o adensamento é vinculado à infraestrutura de transporte público, o que é conceitualmente fabuloso. Ao mesmo tempo, nas regiões onde o transporte é menos abundante ('remansos'), é estabelecida uma densidade menor e também um limite de altura ('gabarito').

É importante isolar densidade e verticalidade. A primeira pode ser entendida como quantidade de m² (potencial construtivo ou densidade construtiva) e como quantidade de pessoas que os utilizam (densidade habitacional).

Ou seja, muitos m² para poucas pessoas é indesejável onde se quer dinamizar o uso do transporte público e criar um tecido de uso misto, democrático e ativo. Assim, aumentar o potencial construtivo e limitar o tamanho máximo das unidades nos 'eixos' é um dispositivo inteligente do Plano Diretor. Observem que nos 'eixos' não há gabarito, e isso não tem qualquer papel na garantia do potencial construtivo, nem na densidade habitacional.

Já nos 'remansos', o potencial construtivo é a metade dos 'eixos', e não há indução de densidade habitacional. É possível usar o potencial de um terreno para uma única família e, sem dúvida, o limite de 28 metros de altura não é empecilho para atingir os m² permitidos.

De forma simplista, pode-se esgotar o potencial em menos da metade dos 28 metros que estão gerando tanto barulho!

A questão do limite de altura, portanto, não diz respeito à densidade, mas à paisagem urbana. Em vários bairros, já há limites até mais rígidos. Onde aplicado, no entanto, o gabarito de 28 metros abarca igualmente áreas planas e acidentadas; mais e menos verdes, com mais e menos vento; com edificações preexistentes baixas e altas; em ruas mais e menos largas.

Não houve um estudo realmente aprofundado em relação a microclima, paisagem e identidade cultural nesses bairros, e a bem da verdade não houve um critério claro para escolher entre 27, 28 ou 29 metros... Infelizmente, para aprovar o Plano Diretor, essa opção quase arbitrária se fez necessária –e é importante dizer que houve amplo debate público qualificado na ocasião.

A outra face da moeda nesta discussão é o mercado imobiliário, que vem pressionando pela revisão com outros interesses: liberar o gabarito flexibiliza os projetos para apartamentos maiores e mais valorizados e, além do potencial construtivo, a lei permite ganhar 5% de área extra a cada pavimento.

Num terreno de 1.000 m², por exemplo, seriam 50 m² de área vendável a mais por andar! É esse o real motivo da flexibilização solicitada por esse setor econômico, e não a paisagem urbana, a densidade ou a coerência funcional.

Assim, penso que poderia, sim, haver uma revisão do gabarito no futuro, tanto para mais quanto para menos, para desenharmos melhor as diversas paisagens de São Paulo. Porém, somente se feita num processo tecnicamente mais denso, democrático e desvencilhado dos interesses setoriais.

Mudar agora, sem critérios e sem debate qualificado, soa equivocado e ilegítimo. Afinal, o mercado não está de mãos amarradas: há muito o que fazer em áreas centrais esvaziadas, que representam oportunidades não apenas sociais e urbanas, mas também de negócio.

A prefeitura deveria se ocupar em reativar operações urbanas e projetos para estimular o mercado imobiliário a transformar efetivamente nossa cidade, para o bem de todos.

LOURENÇO GIMENES, arquiteto e urbanista, é mestre em Estruturas Ambientais Urbanas pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP; fundador do FGMF Arquitetos, foi professor na pós-graduação do Mackenzie e IMED-RS

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