Folha de S. Paulo


editorial

Um ditador que cai

Philimon Bulawayo-15.nov.2017/Xinhua
171115) -- HARARE, noviembre 15, 2017 (Xinhua) -- Personas caminan frente a un vehículo blindado en una calle en Harare, capital of Zimbabue, el 15 de noviembre de 2017. Varias explosiones de gran intensidad se oyeron a primeras horas del miércoles en el centro de la capital zimbabuense, Harare, dos días después de que las fuerzas armadas de este país africano amenazaran con
Pessoas passam por veículo militar blindado em rua de Harare, capital do Zimbábue

Robert Mugabe, 93, disse certa feita que governaria o Zimbábue até os 100 anos. Ao que tudo indica, a pretensa profecia se desfez na quarta-feira (15), quando o Exército ocupou as ruas da capital, Harare, e pôs em prisão domiciliar o ditador e sua mulher, Grace.

Permanecem incertas as circunstâncias do levante. Aparentemente, o mandatário perdeu apoio militar ao afastar seu vice, Emmerson Mnangagwa, com o qual lutou na guerrilha que depôs o regime racista da então colônia britânica Rodésia do Sul, em 1980.

Ao longo desses 37 anos no poder, Mugabe erodiu sua imagem de herói libertador com uma cartilha clássica de tirania: corrupção generalizada, controle da imprensa e outras afrontas à liberdade de expressão, brutal repressão de opositores e eleições fraudadas.

Não fosse trágico, seu despotismo beirava o caricatural. Em 2015, durante um evento público, o líder zimbabuano tropeçou e caiu —no entanto, a despeito das imagens que retratavam o momento, um porta-voz teve de dizer que o chefe conseguira se equilibrar.

A queda de agora, porém, parece mais difícil de negar.

O autoritarismo ainda persiste em várias regiões do mundo; de acordo com a ONG Freedom House, só 87 dos 195 países por ela avaliados podem ser considerados inteiramente livres. Entretanto tiranos ao estilo Mugabe aos poucos saem de cena, seja pelo peso da idade, seja por revoltas populares.

Por si só, o ocaso de um dos mais longevos regimes repressores da atualidade deveria ser ensejo para celebração, ainda mais pelo fato de não ter ocorrido, por ora, derramamento de sangue. Inspiram menos otimismo, contudo, os cenários para sua sucessão.

Segundo a versão predominante, a insurreição dos generais deu-se pelo receio de que o ditador, já aparentando alguns sinais de senilidade, quisesse transferir o comando do Zimbábue a Grace, 52, sua segunda mulher.

Com bastante ascendência sobre o marido, ela integra uma facção mais jovem do partido governista Zanu-PF que estaria interessada em isolar veteranos de combate da era colonial —dos quais o vice removido é um dos expoentes.

Com efeito, nenhum desses grupos demonstra disposição para a abertura democrática. Por uma transição civilizada, a União Africana e o restante da comunidade internacional têm evitado o termo "golpe". Correm o risco, porém, de acabarem por classificar o próximo governo de ditadura.

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